O isolacionismo de Trump
05/02/2017 10:27
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 05 de fevereiro de 2017
O isolacionismo de Trump
Arthur Soffiati
 
Antes mesmo de proclamar sua independência, em 1776, as Treze Colônias britânicas na América, embrião dos atuais Estados Unidos, já se expandiam além de suas fronteiras. Elas estavam concorrendo com a própria metrópole no oriente pelo domínio comercial. Essa concorrência, aliás, foi o grande motivo da guerra de independência. Cabe lembrar também que as ideias republicanas que acalentavam o novo país vinham da Europa, sobretudo da Inglaterra.
Tão logo proclamada a independência, lá estavam os Estados Unidos guerreando a Líbia. Por que tão longe? Porque o novo país tinha interesse no Mediterrâneo. Pelo tratado assinado com a Inglaterra, que reconheceu a independência das ex-colônias, o novo país ganhava também a região dos Montes Apalaches, em 1783. Em 1803, aproveitando-se do tumulto causado por Napoleão na Europa, os Estados Unidos compraram da França a Louisiana. Para a França, era vender ou perder.
No caso da Espanha também. Era vender ou perder a Flórida em 1819. Já com o México, cujo território era muito maior quando de sua independência, não houve opção. Por uma guerra entre 1846 e 1848, os Estados Unidos anexaram grande parte do México. O pretexto era sempre a doutrina do Destino Manifesto, segundo a qual o destino dos Estados Unidos era expandir-se e civilizar terras bárbaras. Já em 1823, a Doutrina Monroe podia ser resumida com uma frase: “A América para os americanos”. Hoje, a doutrina Trump também cabe numa única frase: “A América primeiro”, como se os Estados Unidos correspondessem a toda América. O objetivo oculto da Doutrina Monroe foi afastar os interesses dos países europeus sobre a América como um todo. Os demais países americanos, porém, viram nos Estados Unidos o grande guardião de suas independências e o grande líder.
Os territórios anexados no oeste da América do Norte evidentemente não eram despovoados. Muitas nações indígenas os habitavam. Contra eles, os Estados Unidos travaram guerra de extermínio e se apossaram das terras de povos que não tinham noção de propriedade privada. Essas conquistas deram origem ao gênero “faroeste” no cinema. Por compra, o país incorporou o Oregon, em 1846. Ainda do México, anexou o território do Gadsden, ao sul do Arizona, em 1853.
Em 1867, invocando a Doutrina Monroe, os Estados Unidos adquiriram o Alasca do Império Russo. Em 1893, foi a vez do arquipélago do Havaí. Em 1898, os Estados Unidos guerrearam a Espanha e a venceram. Cuba passou a ser protetorado dos EUA, com o domínio direto de Guantánamo e das Filipinas pelo país expansionista. Os domínios do novo país ultrapassaram os limites continentais, chegando às ilhas de Porto Rico, Guam, Samoa, Marianas do Norte e Virgens. Ainda sob seu controle ficou o Canal do Panamá.
Logo a seguir, os Estados Unidos ingressaram na Primeira Guerra Mundial (1914-18), ao lado da Inglaterra e da França. A proposta de uma organização mundial, ao fim da guerra, foi formulada pelo Presidente Wilson. Assim, foi criada a Liga das Nações, mas os Estados Unidos não participaram dela, voltando ao que se considerava isolacionismo. O sociólogo e historiador Immanuel Wallerstein sustenta que a Primeira Guerra Mundial decorreu da concorrência internacional de Alemanha e Estados Unidos.
Com a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos não voltaram mais para seu pseudoisolacionismo. Pelo contrário, o dólar passou a ser o padrão monetário internacional, a União Soviética passou a ser seu arqui-inimigo. O país se envolveu em várias guerras fora do território americano. Sua dependência econômica ao resto do mundo aumentou acentuadamente depois de 1945.
Um exaustivo estudo empreendido recentemente por Keiichiro Kanemoto e Daniel Moran mostra que a devastação de ambientes terrestres e marinhos, com o comprometimento da água doce e a ameaça de extinção de espécies na América Latina, Ásia e Oceania, devem-se aos Estados Unidos, União Europeia, China e Japão. No Brasil, o Cerrado é a maior vítima.
No fundo, concordo com Trump. Oe Estados Unidos devem mesmo adotar uma politica isolacionista, não permitindo a entrada de imigrantes. Mais que muros e fiscalização de fronteiras, o ideal seria construir uma cúpula sobre todo o país. Assim, as emanações de gases do efeito estufa ficariam limitadas ao espaço aéreo de seu país. A proposta valeria também para União Europeia, China e Japão. Claro que se trata de uma proposta inexequível. Se fosse exequível, eu também seria contra ela. Afinal, nem mesmo os eleitores de Trump têm plena consciência do que fizeram ao elegê-lo. A maioria do país foi contra ele.
Mas a pergunta que não quer calar: os Estados Unidos podem ser autossuficientes em tudo? Eles podem produzir tudo o de que necessitam em seu próprio território? Eles podem comprar todos os produtos bélicos da sua indústria militar?

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