O manguezal do rio Paraíba do Sul em Atafona
23/01/2017 11:49 - Atualizado em 23/01/2017 11:51
O manguezal do rio Paraíba do Sul em Atafona
Arthur Soffiati
Para quem não conhece a foz do rio Paraíba do Sul, ela desemboca no mar por dois braços. O mais largo fica entre a ilha da Convivência e Atafona. A ilha da Convivência, na margem esquerda do canal, foi habitada e se tornou famosa. Hoje
, considerada uma área de risco, é proibido residir nela. Restou apenas uma casa vazia, ocupada ocasionalmente por pescadores temporariamente. No passado, ela contava com habitantes de olhos claros, que praticavam o casamento por sequestro. Seu valor etnológico era muito grande, ao lado da ilha do Pessanha, também na foz do rio.
 
 
Arthur Soffiati
ilha da Convivência / Arthur Soffiati
 
Ilha da Convivência
Na margem direita do canal principal, ergueu-se a vila de Atafona, considerada por alguns a povoação mais antiga do norte fluminense. Alguns historiadores dizem que ela foi fundada em 1622, pelo pescador Lourenço do Espírito Santo, que trouxe companheiros seus de Cabo Frio. A documentação levantada ainda é insuficiente para creditar a Lourenço o pioneirismo na colonização da região.
Atafona tem merecido a atenção da imprensa local e nacional pelo forte processo de erosão costeira que a ameaça. Mar e areia avançam sobre a orla da vila, tendo engolido já enorme área e formado largas e altas dunas. A foz do Paraíba do Sul é um local de construção-destruição costeira. O mar produz nela grande movimentação de areia. Tanto as ilhas da Convivência e do Pessanha quanto o pontal de Atafona se ligam, se separam, crescem e diminuem. Muitas casas foram destruídas pelo avanço do mar e estão sendo soterradas pelo avanço das dunas.
Dunas interrompendo rua e avançando para residência
Suspeita-se que o fenômeno natural de erosão tenha sido agravado pela redução da vazão do rio na foz devido às intervenções feitas na sua bacia, como o desmatamento, as barragens, a construção de um guia-corrente no canal e, sobretudo, pela transposição de quase 2/3 de suas águas para o rio Guandu, com o fim de abastecer a cidade do Rio de Janeiro.
Como todo rio que desemboca no mar, o encontro da água doce com a água salgada forma o que se conhece por estuário, parte do rio e do mar em que a água não é doce nem salgada, mas salobra, ou seja, com salinidade reduzida. Os estuários tropicais constituem um ecossistema bastante favorável ao desenvolvimento, outro ecossistema em que plantas adaptadas a um teor elevado de salinidade podem se desenvolver: o manguezal, ambiente em que predominam espécies vegetais adaptadas a condições bastante peculiares. As sementes (propágulos) dessas espécies de plantas vêm flutuando até encontrarem ambiente propício para germinarem, enraizarem-se, crescerem e formarem bosques produtores de alimentos para a vida aquática, semiaquática e semiterrestre. Além do mais, os manguezais criam ambientes propícios para a reprodução de animais de água doce e salgada, protegendo também a costa de erosão marinha, fluvial e eólica.
As espécies de mangue se adaptam a um ambiente hostil a outras espécies. A maioria das plantas não sobrevive em locais com salinidade elevada e substrato pobre em oxigênio. As espécies de mangue desenvolveram sistemas para se oxigenar, para barrar o sal, para dissolvê-lo no seu interior ou para expeli-lo. Normalmente, as raízes das plantas dirigem-se para o fundo da terra com o fim de obter nutrientes. Em várias espécies de mangue, ao lado dessas raízes, existem aquelas que buscam a superfície do substrato, como se fossem respiradouros. Elas vêm buscar oxigênio e são denominadas de pneumatóforos. Nelas, há pequenas glândulas chamadas lenticelas, por onde entra o ar. Quando a maré sobe e afoga essas raízes, as glândulas se fecham. Quando a maré baixa, elas se abrem.
As espécies de mangue são oportunistas, resilientes e adaptáveis. Encontrando condições mínimas e até hostis, sementes de mangue podem germinar e se desenvolver. Já encontrei plantas de manguezal em praias violentas e muito salgadas, como na praia da Foca, Região fluminense dos Lagos, no interior de lagoas hipersalinas, como a de Araruama, no topo de costões rochosos, como em Rio das Ostras e em locais com predominância de água doce, como em Pontal Sul, baía de Paranaguá.
Pequeno manguezal de praia da Foca, Búzios, RJ
Manguezal de Ogiva, na hipersalina lagoa de Araruama
 
População de mangue branco em costão rochoso de Rio das Ostras, RJ
Exemplar de mangue em Pontal Sul, baía de Paranaguá
 
As plantas de manguezal também revelam incrível resiliência, ou seja, capacidade de recuperar suas condições normais depois de eventos adversos, como derramamentos de óleo. Sua capacidade de adaptação também é notável. Se as condições ambientais mudam, mas não a ponto de se tornarem extremamente hostis às plantas de manguezal, estas desenvolvem sistemas de adaptação, como raízes aéreas que saem dos troncos acima do nível da água, quando ele se estabiliza, sem mais sofrer as oscilações das marés. As plantas não vivem mais em condições normais. Contudo, resistem às condições anômalas.
Adaptação de exemplares de mangue branco à estabilização da lâmina d’água em Buena, São Francisco de Itabapoana, RJ
 
Mas pra tudo há limite. Se as condições se tornam hostis, ultrapassando em muito as condições normais ou subnormais, as plantas morrem. Para algumas espécies, o segredo da sobrevivência está nos pés, não na cabeça. Existem três espécies de mangue na foz do Paraíba do Sul: o vermelho, o preto (siribeira) e o branco. O vermelho é aquele cujo caule se ramifica e adquire uma forma de aranha. É o mais conhecido pelo leigo. Essa espécie não tem raízes respiratórias. As lenticelas estão nas ramificações do caule. Portanto mais protegidas de lâminas d’água estabilizadas e de soterramento. Os mangues preto e branco, contudo, são vulneráveis a longos períodos de afogamento e soterramento.
É o que está acontecendo no Pontal de Atafona. Os mangues preto e branco conseguem resistir às ressacas, mas não ao avanço de areia e à formação de dunas. As ressacas provocam o avanço do mar, mas por pouco tempo. As dunas soterram a rizosfera aérea, ou seja, o conjunto de raízes respiratórias. Sem poder respirar, as plantas morrem.
População de mangue preto em Atafona, morta por soterramento das raízes respiratórias
Exemplares mortos de mangue branco pelo avanço recente (2016-17) de dunas, no Pontal de Atafona
 
A erosão costeira já matou um bosque de mangue preto anos atrás. Agora, ela está encurtando o Pontal, aumentando a ilha Convivência e formando dunas na parte interna da foz no canal principal.
Dunas na parte interior da praia de Atafona, penetrando na margem direita do Paraíba do Sul
 
Mas o manguezal é mais sábio que as pessoas. Os moradores de Atafona que estão perdendo suas casas pelo avanço do mar e da areia gritam muito. Elas querem o engordamento da praia para afastar o mar e as dunas. Isso exige obras muito caras que se tornam proibitivas para os governos municipal, estadual e federal em meio a uma crise econômica excruciante. Querem também que a prefeitura aplaine as dunas, devolvendo areia para o mar, de modo que a ameaça sobre suas casas cesse, que a paisagem seja restaurada. O volume de areia parece ser muito grande para a operação de máquinas. Além do mais, a solução é paliativa. Já foi adotada no passado. A areia retornou e formou dunas novamente.
 
Raízes respiratórias sob areia, Atafona, São João da Barra, RJ
 
A fração do manguezal na margem direita do rio não é tão extensa quanto na margem esquerda. Ela tende a sucumbir. Até mesmo numa ilha, ele parece ter sofrido algum impacto. No entanto, sem choro nem vela, as sementes de espécies de mangue continuam navegando à procura de locais apropriados. Uma área é perdida, mas outro porto é encontrado.
Impacto sobre manguezal em ilha da foz do Paraíba do Sul

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    Aristides Soffiati

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