Prisioneiros no espaço
23/01/2017 10:59 - Atualizado em 23/01/2017 11:01
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 22 de janeiro de 2017
Prisioneiros no espaço
Arthur Soffiati
A Terra está saturada de pessoas e esgotada em seus recursos. Parodiando o marxista Gildo Magalhães nos anos de 1980, para suplantar o capitalismo, era necessário exaurir o planeta até a última polegada e ir para o espaço. No sentido literal, espaço significa sair da Terra e construir o socialismo em outro planeta natural ou construído pela própria humanidade. No sentido figurado, entende-se que a exaustão da Terra manda tudo para o espaço. Caso ele estivesse falando no sentido literal, o espaço não seria conquistado pelo e para o socialismo. O capitalismo obteria lucro com a destruição da Terra e com a colonização do espaço.
É o que retrata o filme “Passageiros”, com roteiro original de Jon Spaiths e direção de Morten Tyldum. Ele ficou duas semanas em cartaz nas nossas telas. Uma empresa terrestre se locupleta em vender passagens para colonos que desejam abandonar a Terra e recomeçar a vida num planeta ainda pouco habitado. Nada mudou na cultura humana. Assim como a Terra se tornou hostil ao homem por suas ações, pressupõe-se que acontecerá o mesmo em outros planetas. A tecnologia se tornou muito avançada, mas os humanos continuam mortais. Por isso, devem hibernar profundamente num sono que impede o envelhecimento. A viagem dura 120 anos. Há classes na nave, como nos navios, aviões e ônibus de hoje. Os preços e os serviços variam de acordo com as classes.
Embora considerada infalível e indestrutível, a nave se choca com um corpo celeste errante que afeta seus sistemas em ordem progressivamente crescente. Pode-se pensar numa alusão a “Titanic” com essa colisão. Evoco Edgar Morin, que diz ser um erro não considerar o erro.
Em virtude da falência progressiva do choque, o engenheiro Jim Preston (Chis Pratt), um dos cinco mil passageiros, desperta do seu longo sono e descobre que acordou antes do tempo. Faltam ainda 90 anos para o término da viagem. Ele é uma espécie de Robson Crusoé numa ilha espacial extremamente sofisticada sem a companhia de um Sexta-Feira. O mais próximo do humano desperto, e desperto do início ao fim da viagem, é o bem humorado e polido androide Arthur (Michael Sheen).
Adão solitário, como logo após a sua criação por Deus, Preston passa seus dias comendo, bebendo, dormindo, nadando, dançando, jogando, praticando esportes e conversado com Arthur. Ele não descobre o segredo de voltar a dormir profundamente. Morrerá antes de chegar ao destino. No seu eterno tempo livre, ele visita os berços dos passageiros numa nave onde tudo é eletrônico, semelhante a vozes telefônicas que nos assediam diariamente.
Uma das passageiras adormecidas o encanta. Ele procura saber tudo que há disponível sobre ela na nave. Descobre que se chama Aurora e que é escritora e jornalista. Preston então mergulha em profundo dilema ético: acordar ou deixar que durma Aurora, bela adormecida.
Ele decide acordá-la sem que ela saiba, não com um beijo, como no conto de fadas, mas com a desativação do berço. Aurora Lane (Jennifer Lawrence) não gostou de despertar, não se interessa pelo príncipe encantado e não apreciou seu castelo espacial. Ela gostaria de voltar a dormir. Preston mente, dizendo que ela acordou por erro no sistema. Ela acredita e, com a convivência, o casal se envolve amorosamente, como era de se esperar. Mas o fofoqueiro Arthur lhe revela a verdade. Aurora passa a odiar Preston. Não há como voltar a dormir.
Por falha no sistema, Gus Mancuso (Laurence Fishburne), membro da tripulação, também desperta e orienta o casal quanto à necessidade de efetuar reparos na nave para que ela chegue ao destino. Logo em seguida, morre. Preston pratica o ato arriscado de sair da nave para efetuar o reparo. Tem êxito, mas seu cabo de segurança se rompe e ele é projetado no espaço. Aurora sai para resgatá-lo. A cena de ação é muito semelhante a uma de “2001: uma odisseia no espaço”. Só que, nessa obra prima de Stanley Kubrick, a nave é dirigida por dois homens e um computador. O homem perdido no espaço é resgatado morto pelo colega. Isso não podia se repetir em “Passageiros”. Preston é ressuscitado por avançada tecnologia. Descoberto o segredo do readormercimento para apenas uma pessoa, Aurora o recusa. Eles vivem uma linda história de amor nos noventa anos que faltam para a nave chegar ao destino. Não deixam filhos, como Adão e Eva, mas legam um lindo bosque para os colonos. Certamente com espécies vegetais exóticas.
Excelentes roteiro e direção. É um filme de ficção científica que recorre a moderníssimos efeitos especiais, mas tem enredo que refencia muitas narrativas escritas e fílmicas. A trilha sonora de Thomas Newman me levou a crer que era composição de Philip Glass até os créditos finais. A fotografia de Rodrigo Prieto é fantástica. Apenas Chis Pratt não está à altura de Jennifer Lawrence. Ficção científica, romance, ação.

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    Aristides Soffiati

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