Como reconquistar o consumidor depois dos recalls do Note 7? Eis o dilema da Samsung
Gustavo Abreu 23/01/2017 17:02 - Atualizado em 02/02/2017 16:32
Depois de quatro meses de testes em mais de 200 mil telefones, qual foi a causa detectada pela Samsung Electronics Co. para o seu principal smartphone, o Galaxy Note 7, pegar fogo? Baterias ruins.
Dois conjuntos separados de baterias com defeitos feitas por duas empresas diferentes, na verdade. É como se um meteoro atingisse sua casa — duas vezes!
PHOTO: LEE JIN-MAN/ASSOCIATED PRESS
Baterias defeituosas foram apontadas pela Samsung como a causa das falhas que levou a dois recalls sucessivos do Note 7 / PHOTO: LEE JIN-MANASSOCIATED PRESS
A Samsung está em pleno processo de pedir desculpas por causa da série de falhas que levou a dois recalls sucessivos do Note 7. Em entrevistas com o The Wall Street Journal, o diretor da divisão de celulares da Samsung, DJ Koh, e outros executivos compartilharam pilhas de fotos de testes, os resultados de sua investigação e os planos para melhorar o controle de qualidade.
Podemos confiar que a Samsung não deixará isso acontecer de novo? “Sinto muitíssimo pelo ocorrido”, disse Koh. A Samsung está “trabalhando o tempo todo para descobrir como recuperar a confiança dos clientes”.
Por ora, damos a esses esforços uma nota C. A Samsung claramente foi séria em investigar a questão com a ajuda de especialistas independentes, mas suas explicações às vezes deixaram dúvidas. Embora tenha desenvolvido uma nova checagem de bateria de oito pontos para a produção de telefones daqui para frente, não temos uma ideia clara se esses testes aumentarão a segurança ou simplesmente ajudarão a Samsung a se equiparar a outros fabricantes de smartphones de alto padrão.
O que está faltando para a Samsung é um momento Tylenol. Em 1982, a Johnson & Johnson fez um recall maciço depois que sete pessoas morreram ao tomar produtos da linha Tylenol contaminados com cianeto. Isso levou a empresa, e depois o resto da indústria, a repensar a embalagem de comprimidos: os consumidores passaram a ver os novos selos criados como uma marca de segurança e proteção. O trabalho da Samsung para criar um “selo” que os consumidores possam entender — e gerar mudanças em toda a indústria — ainda está incompleto.
Uma recapitulação rápida: o Note 7s com duas versões diferentes da bateria — o que a Samsung chama de bateria A e bateria B — foi lançado em agosto do ano passado. Logo depois, alguns dos telefones com bateria A começaram a pegar fogo. A Samsung fez um recall, lançando rapidamente uma segunda versão, apenas com a bateria B. Em seguida, alguns desses telefones começaram a pegar fogo também, obrigando a Samsung a tirar o telefone do mercado.
Depois de construir laboratórios com mais de 700 funcionários de P&D para testar 200 mil telefones e mais de 30 mil baterias, a Samsung concluiu que nem o hardware (incluindo a tela e a unidade de carregamento sem fio) ou o software tiveram culpa. Em vez disso, a Samsung informa que as baterias, criadas por dois fornecedores diferentes que as produziram de forma diferente, foram as responsáveis.
A bateria A tinha um problema de design: não havia espaço suficiente dentro da bateria para uma expansão natural dos eletrodos de seus componentes.
A bateria B tinha um problema de soldagem causado por um defeito de fabricação, que não foi detectado até que sua produção foi ampliada depois que a bateria A foi retirada do mercado. Rebarbas microscópicas penetraram a bateria.
Esses problemas fizeram com que as baterias do Note 7 entrassem em curto-circuito, informa a Samsung. Não temos motivos para duvidar das descobertas científicas da Samsung. UL, uma empresa de certificação, informou que uma investigação independente chegou à mesma conclusão. “Simplesmente, é preciso garantir que seu processo de fabricação seja perfeito”, diz Sajeev Jesudas, diretor da divisão de negócios de consumo da UL.
Nossa preocupação é que a Samsung não reconhece uma possível conexão entre esses dois eventos infelizes. Se dois dos seus filhos, separadamente, passar a ter notas ruins, você não gostaria de saber se fez algo que contribuiu para o problema?
Se a Samsung não tem uma resposta completa para o que causou o problema, ela não pode efetivamente impedir que isso volte a ocorrer no futuro. Qual é a responsabilidade da Samsung em definir as especificações e os requisitos para as baterias do Note 7? Será que a Samsung apressou os fabricantes de bateria, especialmente os da bateria B?
Quando o questionamos sobre isso, Koh disse que, em retrospectiva, assume a responsabilidade pelo mau funcionamento, em parte, porque o design do telefone era “bastante agressivo”.
Em projetos futuros de telefone, a Samsung informou que está considerando colocar ainda mais espaço ao redor da bateria para fornecer absorção adicional de choque.
O núcleo do problema, disse Koh, foi que a Samsung não tinha os controles de qualidade necessários para identificar os problemas da bateria antes que os telefones chegassem aos consumidores. É aí que a Samsung assume toda a responsabilidade e promete mudar.
A Samsung informa que tem um novo plano de qualidade de oito pontos para smartphones futuros, incluindo vários testes adicionais que, segundo a empresa, teriam identificado riscos de incêndio no Note 7. Eles incluem raios-X da bateria para detectar anormalidades internas e a realização de testes de uso acelerado para simular, em cinco dias, duas semanas de uso real. Outro teste envolve perfurar as baterias para ver o que acontece.
É ótimo que a Samsung esteja assumindo mais responsabilidade, mas é difícil avaliar o impacto que as mudanças terão em uma indústria tão secreta. A Samsung informa que seu esquema de testes anterior obedecia aos regulamentos, mas era menos cuidadoso que o de rivais? A Apple, por exemplo, não respondeu a um pedido de informações sobre suas práticas de teste de bateria.
Surpreendentemente, a Samsung informa que não espera que os testes extras atrasem os lançamentos de smartphones. “O impacto pode ser medido em dias, em vez de meses”, diz Justin Denison, diretor de marketing de produtos da Samsung.
Koh disse que Samsung recuperaria a confiança dos clientes ao liderar uma mudança para todos os smartphones. “Queremos melhorar a qualidade das baterias de íon de lítio, não só na Samsung, mas em toda a indústria”, disse ele.
Essa não é uma tarefa fácil, dada a exigência do consumidor de que esses aparelhos façam mais, com duração de bateria cada vez mais longa. À medida que telefones de todas as marcas precisam de fontes de energia cada vez mais densas, provavelmente eles só ficarão mais arriscados.
Gostaríamos de ver a Samsung colocando na mira a autofiscalização da indústria. Muitos produtos eletrônicos, como secadores de cabelo e laptops, recebem certificações com base em padrões internacionais de segurança de empresas independentes como a UL. Os celulares eram considerados menos arriscados porque usam baixa tensão, mas esse já não é o caso. Componentes individuais, como carregadores, podem ser certificados, mas smartphones inteiros não o são.
Gostaríamos de ver um selo de certificação de smartphones que permita que todos nós saibamos que o telefone é seguro, assim como o selo que recebemos do Tylenol. A Samsung garantiu que vai colaborar com um corpo normativo, mas seus executivos não pareceram comprometidos quando perguntamos sobre o envolvimento de firmas independentes na certificação da segurança de seus telefones. “Não estou convencido de que qualquer empresa independente no mundo possa dizer que um produto seja seguro”, disse Koh.
A nota C dada à Samsung reflete o fato de que o trabalho da empresa está incompleto. Se quiser melhorar sua classificação, é aí que ela deve investir.
Fonte: Wall Street Jornal

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