O Direito à Imagem
Nino Bellieny 07/01/2017 08:15
Siro Darlan Grande mestre de Direito Penal português, o professor José Francisco de Faria Costa comentava extasiado numa aula de Direito da Comunicação Social a forma como a imprensa brasileira exibe desrespeitosamente as pessoas, a propósito da exposição que fizeram de suspeitos de haverem assassinado turistas portugueses em Fortaleza, os quais, antes mesmo de terem sido indiciados, já estavam sendo exibidos e identificados como autores dos crimes, sem que tivessem sido julgados e condenados. Afirmava, revoltado, o ilustre professor, que isso equivale a punir e expor meros suspeitos ao Pelourinho. Em matéria de justiça criminal, não se pode abrir mão das conquistas civilizatórias que sucederam aos períodos inquisitoriais. Sem virtudes, essas concessões não serão mais que a troca de abusos por outros abusos. As penas viciosas ou abusivas se agravam na sua execução quando a virtude não impera na cabeça e no coração dos homens, conservando os ditames da razão e os princípios da humanidade. Tem sido comum a exibição da imagem de meros indiciados na mídia como forma de execração pública, como ocorreu com a prisão de dois ex-governadores e uma ex-primeira dama. Não se discute o grau de gravidade de seus crimes, ainda em processo de apuração e juízo de valor para condenação ou não. Mas o que é preciso entender e exprimir com clareza é não ceder naquilo que não se deve transigir: afirmar, com convicção, conjunto de princípios que tem iluminado nossa cultura e civilização penalísticas. O direito à imagem está consagrado na Constituição e está previsto no Código Civil e não se encerra em si. Tem ligação com direitos conexos, principalmente os fundamentais. Por ser a projeção da personalidade física do indivíduo, é considerado Direito Natural, equiparável ao da própria vida. Bittar define como “ o direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes distintos que a individualizam no seio da coletividade”. Por ser direito constitucional inviolável e por transcender a pessoa do próprio titular, o autor da violação fica sujeito a pagar indenização material e ou moral. As vítimas dessa violação têm familiares, pais e filhos que não podem sofrer os efeitos de seus atos violadores da lei. A pena não pode ir além da pessoa que comete crimes. O Estatuto da Criança e do Adolescente define o direito ao respeito que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, que abrange a preservação da imagem, da identidade, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Quando se exibe extemporaneamente a imagem de seus pais, identificados como criminosos e vestidos com uniformes de prisioneiros, estão sendo rasgados esses direitos fundamentais da pequena infância. Como desejar que esses jovens aprendam a respeitar as leis? Como justificar esse constrangimento imposto ilegalmente aos filhos de meros suspeitos de práticas criminosas? Ou estamos abrindo mão de nossos avanços civilizatórios, recriando o Pelourinho para aplicar pena que não tem previsão em nosso ordenamento jurídico? *Siro Darlan é desembargador do TJ e membro da Associação Juízes para a Democracia Artigo originalmente publicado em O Dia.

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