O Brasil que mata
paulavigneron
Manhã de quinta-feira. Ou sexta. Quem sabe sábado? Os dias ecoam uma igualdade sem fim. Primeiro, acordar. Depois, forças para levantar da cama e encarar o sol, que, sem seguir as estações do ano, parece pronto para brilhar o ano inteiro. Indiferente aos apelos mais sensíveis. Tudo igual nesta segunda. Terça? Era uma quarta, talvez. Caminhar em direção ao computador para olhar as notícias. Mesmo com o passar do tempo, elas ecoam a mesma igualdade dos dias sem fim. Mas resta a esperança de encontrar, entre aquelas linhas cuidadosamente elaboradas, fatos que renovem a fé na humanidade. O navegador indica um site de pesquisas. Os dedos tamborilam os nomes dos portais de notícias sobre a cidade. Política, cultura, economia. Mas os olhos, sem que haja consciência sobre os atos, se detêm nos casos policiais. Tradicionais calafrios percorrem o corpo. Embora sejam incômodos, não são mais assustadores. Afinal, essas histórias que se repetem incessantemente fazem parte dos dias que ecoam a mesma igualdade. Sem fim. A seta do mouse paira sobre o título da matéria. Nele, o jornalista informou que um jovem morreu a tiros. Mas esse rapaz não foi assassinado na semana passada? E o da semana retrasada? Lembrou-se do eterno retorno. “Pensamento elevado, o eterno retorno também é o mais profundo, o mais abissal, pois conduz à visão da eterna repetição sem sentido ou fim de tudo”, lembrou-se de um trecho que leu nos Cadernos Nietzsche, durante uma pesquisa sobre o tema. Outro homem aparece em destaque por ser suspeito de estupro. A vítima: sua enteada, de cinco anos de idade. “O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”, disse Rousseau. Questionamentos incontroláveis dominam a mente. Não se pode corromper um indivíduo e levá-lo a atitudes tão desprezíveis se sua índole for boa. Há pouco tempo, casos semelhantes veicularam na mídia. Diversas situações dessa natureza são escritas, lidas e ouvidas diariamente. E o homem, Rousseau? O que é o homem? Os olhos percorrem o site. Logo adiante, o feriado termina com quatro homicídios. Quatro pessoas mortas em menos de 24 horas. Tiros e facadas. Até o momento, setembro registra, em média, um assassinato por dia na cidade. Prisões e apreensões também preenchem as páginas dos jornais. Entre os fatos do dia, uma notícia desanuvia a tensão que consome o leitor. Um rapaz, agredido em uma cidade próxima, recebeu alta da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital estadual. Ele ficou internado por um mês após ser confundido com um assaltante. Depois de discutir com 15 moradores do município, ele foi espancado. Quinze pessoas envolvidas Quinze homens E o homem, Rousseau?     https://www.youtube.com/watch?v=RLuVJqRBvco   “Tem um Brasil que é próspero Outro não muda Um Brasil que investe Outro que suga Um de sunga Outro de gravata Tem um que faz amor E tem o outro que mata”    
Sobre o autor

Paula Vigneron

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