Esquinas
paulavigneron
Imagem: Pixabay   Meio da tarde. Os pássaros sobrevoam a Praça São Salvador, rodeada por homens, mulheres e adolescentes que, em seus skates, competem em uma realidade quase paralela. Disputam espaços e atenções dos passantes. Poucos se concentram na cena montada por eles. Passam, assim como passam por outros tantos pés, pernas, braços e mãos carentes. Pedintes. Atravessam a rua e encontram o abrigo da história da cidade, com seus apetrechos e guias orientando o passeio. Mas, do lado de fora, eles optam por sua caminhada. Nas esquinas, bares, cafés, bancos. Novos rostos. Homens, mulheres. Conversam, riem, contam causos e anedotas. Determinados trechos são dominados por pessoas mais velhas que cavam, na memória, as histórias que podem ser partilhadas. As outras permanecem silenciadas, escondidas por trás de olhos que ainda buscam novas experiências. A curiosidade é rapidamente atraída pelos transeuntes, mas logo é desviada por outro chamado para um papo na Rua do Homem em Pé. A poucos metros dali, uma menina está parada ao lado da saída de um banco. Em sua mão, um pacote de mariolas. Custam centavos. A timidez na abordagem desfavorece a venda do produto. Aproximadamente dez anos. O rosto de criança carrega uma expressão adulta. Cansaço. As pessoas circulam com pressa e nem a olham. Para ser vista, ela entra no local. Aproxima-se. Oferece. Após a recusa, volta ao ponto de origem. Até a hora de ir para casa, continuará à espera de clientes que contribuam com seu trabalho. Imediatamente, outra criança vaga pelo calçadão, em um tempo passado. Tal como a menina de anos depois, o garoto, mais novo, anda entre os adultos. Mas as mãos estão vazias. Ele procura, entre os que não o notam, alguém disposto a ajudá-lo. No desespero, apela: - Você pode me dar dez reais? É melhor pedir do que roubar – diz a uma então menina. Em um futuro próximo, a frase continua a ecoar. Em um sonho, em outra esquina, a moça ainda vê aquele rosto. O menino pequeno, sem identidade, é agora adulto. Como ela. Eles conversam. Ao agora rapaz, é dado um dinheiro para um sorvete. Um homem entrega o presente. Agradecido, aceita. Com carinho, sorri em retribuição. Conversam, novamente, menina-moça e menino-rapaz. Eles sorriem e se entendem. Trocam abraços. Tornam-se amigos. Na despedida, ele estende a mão e lhe entrega o dinheiro, para devolver ao homem, e um bilhete. “Não é só disso que precisamos. Busco outra coisa. Quando sigo por essas ruas, tenho diferentes desejos. Menina, o mundo nos dá aquilo que queremos. Só às vezes. Ambicioso, procuro sorrisos, afetos e abraços. Mas nem todos me enxergam. Então, te pergunto, a quem posso pedi-los?” Ela o encara. A menina se transfigura no menino. A moça, no rapaz. “A quem posso pedi-los?” Ela mexe a cabeça, em negação. Não sabe a resposta. Ele concorda. E, sorrindo, sabiamente, parte em sua caminhada. Mais uma vez.
Sobre o autor

Paula Vigneron

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