Mundo de Gepeto
paulavigneron 30/09/2016 14:00
Em maio do ano passado, recebi, da jornalista e então editora da Folha Dois, Dora Paula Paes, a pauta para entrevistar Jorge Mayerhofer Ribeiro. Em sua loja, na Rua Carlos de Lacerda, ele montava e consertava objetos de madeira, inclusive brinquedos, seus preferidos. Em um ofício raro, o idoso, que, na época, tinha 75 anos, afirmava se sentir alegre ao confeccionar seus produtos, muitas vezes criados com materiais encontrados nas ruas de Campos. Fomos, eu e a repórter fotográfica Michelle Richa, conhecer pouco mais de sua história. Na noite de ontem (29), recebi a notícia da morte de Jorge. Imediatamente, a figura do homem sorridente e satisfeito com o exercício de sua função — cada vez menos comum — veio à mente. E, em homenagem à memória e ao trabalho de Jorge, o blog Vigneron reproduz a matéria veiculada pela Folha da Manhã, no dia 5 de maio de 2015, com o título "Mundo de Gepeto".  
14522475_1150399541683903_635147983_o Uma porta cinza é aberta todos os dias da semana, no início da manhã. A abertura única deixa visível, em um pequeno ponto na rua Carlos de Lacerda, Jorge Mayerhofer Ribeiro, de 75 anos, bem ao estilo Gepeto, da fábula de Pinóquio. Vestido com uma bermuda preta e camisa azul quadriculada, ele se senta em um banquinho de madeira envernizada para criar. As paredes azuis estão desgastadas pelo tempo. O chão, coberto por serragem, tem espaço para abrigar outros bancos, móveis e materiais com os quais o idoso monta, remonta e conserta objetos encomendados. Com mãos habilidosas e auxílio de régua, caneta e ferramentas, contrariando a era da tecnologia, ele marca, fura, serra e lixa madeiras para construir porta-joias, gaiolas, cofres e brinquedos. No local, não restam produtos à mostra. Todos eles são feitos e vendidos rapidamente.
Em pouco mais de uma hora, Jorge se levantou mais de cinco vezes do banquinho em direção às máquinas para a modelagem da madeira. Pedaços dos materiais espalhados pela lojinha são utilizados a todo o momento.
— Eu aproveito tudo. Meu neto diz que sempre que saio trago alguma coisa da rua — contou, entre sorrisos. Jorge costuma recolher peças que considera úteis para a montagem do seu acervo — Às vezes, pego madeira de marcenaria. Eles jogam fora, e eu aproveito.
No momento em que manuseia as madeiras para a construção de novos objetos, diversas pessoas olham para dentro do espaço. Curiosas, elas se atêm aos objetos e ao homem que trabalha sem se preocupar com o passar do tempo. “Bom dia, Jorge”, cumprimentam os conhecidos. “Dá um sorriso, Jorge, para ficar bonito”, brinca um rapaz que o observa brevemente.
Há nove anos, o aposentado encerrou suas atividades no comércio de Campos e começou a trabalhar com artesanato. Desde então, assim como o irmão, Jorge se dedica unicamente ao ofício.
— Trabalhei durante 38 anos em uma firma que fechou. Aposentei e continuei trabalhando lá. Quando acabou, fiquei em casa. Eu não quis ficar parado e comecei a fazer isso. É uma distração. Uma terapia. Sempre gostei de trabalhar com madeira. Gosto de fazer. Graças a Deus, não sinto nada. Quando a gente está doente, desanima — afirmou. Apenas nas tardes de verão, nas quais o sol incide diretamente na lojinha, Jorge encerra as atividades mais cedo.
Para ele, o trabalho atual é um prazer sem cobranças e sem compromisso. “Daqui a pouco, saio. Vou andar. Às vezes, viajo. Meus filhos vão trabalhar, e eu vou dar um passeio na rua”, contou. Com quatro filhos, sendo dois destes funcionários de outras cidades, o idoso os acompanha, em algumas ocasiões, a Porciúncula e Macaé. “Eu passeio muito”, garante.
Os produtos que mais gosta de construir são brinquedos. Geralmente, do conjunto de móveis de bonecas, ele produz uma peça por dia, seja guarda-roupa, cama ou penteadeira, cujo acabamento é feito, também, com um pedaço de espelho e pintura. Na era da tecnologia, Jorge não perde seu lucro.
— Hoje, as crianças só querem computador. Mas, mesmo assim, eu vendo muito — revelou, enquanto, com agilidade e precisão, marcava 18 pontos em um pedaço de madeira e 13 pontos em outro, que seriam fincados em palitos presos a uma pequena tábua para a confecção de uma gaiola. Após o término, Jorge contou que o próximo passo seria a conclusão de um cofre, depois do qual planejava parar para o almoço e retornar à tarde, no horário que decidisse. Para ele, o dia de trabalho estava apenas começando.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Paula Vigneron

    [email protected]

    BLOGS - MAIS LIDAS