Posicionamento Do Caso "Meninas de Guarus" Com o Juiz Glaucenir Oliveira Abrindo A Boca Para Marco Barcelos.
mabamestrado 14/06/2016 13:28
IMG_9987 Juiz titular da 3º Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes, Dr. Glaucenir Oliveira. 1- Dr. Glaucenir, qual o sentimento que a Sociedade pode usufruir neste momento em que a sentença, finalmente, delimitou os culpados no caso emblemático como este das meninas de guarus? Creio que o sentimento da sociedade deve ser o mesmo relativo a outros tantos milhares de casos de práticas de crimes. Na verdade, o caso realmente é emblemático, mas não é isolado e no Brasil, como em outros países, existem um número elevado de exploração sexual, inclusive de menores. A diferença está em que neste caso específico, houve repercussão inicialmente no Município e ganhou contornos pelo Estado. Mas o sentimento que se deve ter em mente é o de busca e realização de Justiça e punição dos culpados. Este caso ensejou diversas discussões e mídia excessiva. decorreram vários anos desde a descoberta dos fatos e início da persecução penal, até o encerramento da instrução com prolação da sentença. Como a mídia divulgou, vários juízes declararam-se suspeitos para julgamento do processo, inclusive eu mesmo. Devo aproveitar para esclarecer que a "suspeição" é um instituto jurídico que o magistrado, tanto no processo cível quanto penal pode e deve usar quando verificar que, por uma questão de ordem pessoal especificada no Código de Processo Civil, sua imparcialidade para julgar o processo possa ser contaminada. Mais do que um dos maiores princípios da jurisdição, a preservação desta imparcialidade do julgador é um dever para ele e uma garantia para a sociedade., visto preservar os julgamentos livres da injunção de qualquer sentimento pessoal ou influências externas e subjetivas. Cada juiz tem sua consciência para analisar sua imparcialidade e não me cabe pronunciar a respeito dos motivos de cada magistrado que se declarou suspeito. Em meu caso, esclareço que como juiz titular da 3ª Vara Criminal, oficiei nos autos do Inquérito Policial para investigar os fatos, e inclusive tomei medidas drásticas, porém legais, como interceptações telefônicas a fim de se chegar aos autores dos crimes e elucidar os fatos. Entretanto, no decorrer das investigações, surgiram nomes de duas pessoas ligadas a mim por laços de amizade, as quais, a princípio, estariam envolvidas. Desta forma, para preservar a lisura de meu trabalho e a imparcialidade da jurisdição, proferi decisão nos autos me declarando juridicamente suspeito para continuar à frente do caso. Era meu dever como magistrado. desde então fiquei alheio às investigações e ao conhecimento e julgamento do caso, somente tomando conhecimento posterior da sentença, fruto de um bom trabalho da juíza que passou a ser encarregada do caso por determinação do TJERJ. É preciso que se esclareça isso, a fim de extirpar um sem número de afirmações levianas e até mal intencionadas acerca do instituto da suspeição! Vivemos numa sociedade e, se o homem é um animal político, como disse Aristóteles, vivemos em contato com semelhantes e entabulamos conhecimentos e amizades ao longo da vida, especialmente numa cidade como Campos. Assim, natural que qualquer pessoa, seja ou não autoridade, se surpreenda com a notícia de pessoas de seu convívio envolvidas em processos criminais os mais variados. De toda sorte, um deles foi excluído das acusações e o outro, diante da prova carreada aos autos, foi condenado. 2- Entre os presos há um advogado, pelo menos. A falta de Sala de Estado Maior na Comarca não poderia dar ensejo a um pedido de prisão domiciliar por parte deste acusado, eis que o presídio especializado mais próximo fica a 330 Km de distância? Veja bem, segundo o artigo 7º, inciso V da Lei 8906/94, o advogado tem direito a prisão provisória em "Sala de Estado Maior" ou, em sua falta, substituição em prisão domiciliar. No entanto, o artigo 295 do Código de Processo Penal, alterado em 2001, igualou os presos, sejam eles comuns ou especiais, no sentido técnico. Em seu parágrafo 1º, o artigo 295 citado estabeleceu que a prisão especial, decorrente do próprio código ou de leis especiais, como é o caso, consiste exclusivamente no recolhimento em local diverso da prisão comum e, não existindo estabelecimento específico para o preso especial, será ele recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento prisional. Isto visa a diminuir o que se chama de "regalias", finalidade da reforma do artigo de lei referido. Como se sabe, quase não existem no país locais e celas que atendam rigorosamente os requisitos da lei e, se se adotasse a literalidade da lei, não haveria presos especiais e todos ficariam em prisão domiciliar. Desta forma, observados os direitos do preso especial cuja diferença dos outros presos está apenas no local de prisão, não vejo óbice a que ele fique acautelado em local específico, cumprindo a finalidade da reforma penal, em local distante desta cidade. 3- A alteração legal que passou a possibilitar que condenados em 1ª Instância, mesmo tendo sido processados livres, possam ser recolhidos ao cárcere, embora não possa conduzir a uma sobrecarga insuportável do sistema prisional. Inclusive de indivíduos com plena possibilidade de reversão? A possiblidade de prisão cautelar, inclusive do condenado em 1ª instância sempre existiu e fez parte do ordenamento penal, desde que o juiz demonstre, a seu critério e com base na lei, a necessidade da prisão provisória. Decisão sujeita a revisão em outras instâncias. Apenas houve uma mudança de pensamento do STF quanto a prisão decorrente de condenação em segundo grau de jurisdição. Entendo que enquanto o réu não é condenado em primeiro grau, vigora o princípio da presunção de inocência e que, uma vez condenado, vigora o princípio da culpabilidade em benefício da sociedade, sendo certo que tal entendimento parece ser o atual do Supremo Tribunal Federal. A sobrecarga do sistema prisional é fato, devido a vários fatores, mas não se pode, com base nesse contexto, evitar prisões que se demonstram necessárias para a sociedade. 4- Práticas orquestradas como crimes organizados, em tipicidade semelhante a apresentada neste caso, lamentavelmente, tem sido enraizadas em nossa Sociedade. Estaremos vivendo um “novo tempo”, onde a exploração de menores e o estupro, em todas as suas modalidades, inclusive a mais desleal, de vulneráveis, estará por ser devidamente apenado? Mesmo com a ainda recente reforma do Código Penal no tocante aos crimes de ordem sexual, considero as penas brandas, especialmente se considerarmos as diversas benesses da execução penal que possibilitam que o condenado alcance a liberdade em tempo inferior ao estipulado na sentença condenatória. Entendo que não se trata de estarmos vivendo "um novo tempo", especialmente no que toca aos crimes sexuais. Não concordo com o estereótipo criado em torno da "cultura do estupro". Não existe tal cultura. O que existe, de fato, é a cultura do beneficiamento legal de criminosos, nos mais variados crimes. A legislação penal brasileira tem sido alvo de diversas reformas benéficas para os praticantes de crimes, inclusive os mais graves, que ganham cada vez mais direitos em detrimento da sociedade de bem. É urgentemente necessário se repensar este tema, vez que estamos perdendo a guerra contra a criminalidade. Os chamados "direitos humanos" cresceram muito, excessivamente, de forma a proteger demasiadamente os criminosos. Qualquer dia eu, como juiz criminal serei submetido a uma sabatina dos réus para aprovarem meu nome para julgar seus processos. Ninguém conhece a realidade da justiça penal brasileira, a não ser aqueles, que como eu, lida com ela diariamente, sempre atento aos anseios da sociedade. Estamos enxugando gelo! 5- Considerando as penas aplicadas e sua individualização, principalmente às absolvições, cabe ao Ministério Público recorrer, fato que as defesa dos condenados já declararam que irão fazer? Evidentemente, como corolário do duplo grau de jurisdição, o MP também pode recorrer acaso discorde tanto das absolvições, quanto das penas aplicadas. Faz parte do sistema. E isto não quer dizer que a eminente juíza que prolatou a sentença tenha praticado qualquer erro. A sentença é fruto de um belo trabalho da colega, imparcial e rigorosa. Mas no sistema judiciário, existem várias vertentes e cada magistrado julga de acordo com suas convicções pessoais sobre os fatos e as provas produzidas nos autos, com base no que chamamos de sistema do livre convencimento fundamentado.

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