O que Pensa um Capitão do Exército Sobre Governo Militar
Nino Bellieny 12/06/2016 11:32
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Gildo Henrique tem 60 anos, é natural de Tócos, 17º distrito de Campos dos Goytacazes. Capitão da Reserva do Exército Brasileiro, serviu de 1976 a 2010, durante 35 anos a farda verde-oliva foi a sua primeira pele.  E continua sendo. Aqui, ele responde à perguntas de uma estudante sobre os Anos 60, 70 e os governos militares.  gil  1 -   Você se sentia afetado de alguma maneira pelo governo militar? Por quê? Em 1964 eu tinha apenas 8 anos. Não me lembro bem do que estava acontecendo fora do meu mundo. Eu morava em Tócos, no interior de Campos. Tudo o que sei daquela época inseri num conto chamado “Tinenti”, de 1989, que tomo a liberdade de citar um trecho aqui: “(...) A praça enchendo de gente de toda a parte, uns até levando banquinhos que os de lá são poucos. O chão preto de besouros tontos com a luz fluorescente dos postes ao lado de canteiros de flores tão bem cuidados por Salvador. As meninas brincando de roda, o falatório de gente grande sobre coisas que não interessam, um não-sei-quê tamanho sobre uma tal Revolução de dois anos atrás, Castelo Branco, tanto assunto, meu Deus!                - Quem quer brincar de pique-bandeira? – Chiquinho organizava, dava instruções; o dedo em riste alertando sobre as regras do jogo.              - Vamos sortear os lados – Caum mostrava presença.              - Aqui a bandeira! – Um galho na mão de Tuinho encerrava os preparativos para o início da brincadeira.              - Que Revolução, que nada!              - O rádio não fala em outra coisa...”   Antes de ser convocado para servir ao Exército Brasileiro no 56º BI, eu participei do movimento teatral de Campos, mais precisamente no SESC e no Teatro Escola de Cultura Dramática, tendo à frente o mestre Orávio de Campos. É importante frisar que tais manifestações eram meios de disfarçar o engajamento contra o regime militar, em cujas peças eram explorados temas bem ao gosto da juventude da época: a crítica ao sistema (isto é, os eventos que “passavam” pelo crivo da censura). Escrevi textos, fui ator, diretor, em tudo bem atuante. Atividades essas que não foram interrompidas, mesmo depois da vida na caserna. Em 1976, ingressei-me nas fileiras do EB; no mesmo ano fui premiado no festival de música do Sesc; e em 1978 ganhei o prêmio de melhor ator no festival de Super-8mm do saudoso Nicolau Louzada, com o filme do Antonio Roberto Fernandes, “O passageiro da alegria”, além de dirigir e atuar em várias montagens teatrais, como o Zé-do-Burro de “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes, também feita por Orávio. Respondendo à pergunta: a exposição acima é só para mostrar que não me senti afetado pelo governo militar, a não ser pelo fato de uma peça que adaptei, “Oliver Twist”, de Charles Dickens. A censura (grupo de agentes da Polícia Federal, que assistia a peça, da primeira fila e sem público) determinou que eu mudasse o final da história do vilão: “o senhor vai arranjar uma maneira de prender esse cidadão”, isto é, uma “questão moral”.   2 - Você lutou de alguma maneira contra ou a favor da Revolução? Como? Não “lutei” a favor da Revolução, pois, já em seu final, eu era apenas um soldado. Somente em 1980, fiz o curso de sargentos. Não havia mais nada o que fazer. A transição para a democracia em nosso país foi um fato natural, bem diferente de outros países, sobretudo os demais sul-americanos. Os próprios militares não queriam mais. A pressão interna era grande. Se lutei contra, foi nos movimentos sobre os quais respondi na primeira pergunta.   - Na época você era um militar. No seu trabalho, havia liberdade de expressão? De maneira geral, não havia liberdade de expressão. Eles me olhavam “enviesados” por eu estar envolvido com a arte contestatória. Uma vez me indagaram o porquê de eu estar cursando, na Faculdade de Filosofia, um “Curso de Espanhol para a Comunidade”, pois eles ficaram sabendo que havia muita gente “de esquerda” que estava ali. Eu disse que era apenas aquisição de conhecimento. Uma vez, tocando/cantando nos gramados do 56º BI, junto com outros recrutas, a música “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré, o próprio comandante passou por nós, (era a folga do almoço), e disse “O senhor canta muito bem, soldado”. Senti um tom de ameaça em “o senhor”, mas, nada aconteceu. Mais tarde, tive que pedir permissão para atuar em “O Pagador de Promessas”. E qual foi minha surpresa quando a foto do ator premiado no festival de curtas, saiu nos jornais, comigo ao lado do meu comandante, que apareceu na última hora e foi o centro das atenções. Pra ser sincero, o fotógrafo Dib’s me cortou na foto. Nem apareci direito.   4- No Brasil, se falava em milagre econômico, subversão e comunismo. Comente sobre isso: É notória a explosão de crescimento econômico da época, as grandes construções; época em que não havia essa corrupção deslavada que há agora; uma época de grandes investimentos em estruturas das quais nos beneficiamos hoje em dia. Mesmo os críticos do período se dobram ao contemplar as abissais diferenças em termos de empenho e determinação na busca de cumprir os objetivos nacionais permanentes, sobretudo na autodeterminação como nação que se impõe. Quanto à subversão, lembro-me de que havia ainda muitos movimentos subversivos à minha volta. A tal ponto que amigos meus... melhor nem citar nomes... pessoas que hoje são expoentes da política... me isolaram do grupo a partir do momento em que segui a carreira militar. Lembro-me também de que, muitas vezes como soldado de sentinela, vi entrar no corpo da guarda, pessoas que eram de minha relações “lá fora”, para prestar depoimentos em salas de inteligência. Eu ficava constrangido pelo distanciamento e a situação antagônica daqueles momentos. Quanto ao comunismo, nunca acreditei nessa balela. Hoje, após quatro faculdades, percebo que somente a filosofia onírica e utópica dessa falácia permanece, quando se percebe que os grandes líderes, (com raríssimas exceções), dessa grande mentira vivem em torres de marfim acumulando enormes fortunas, como reis entre seus súditos. Poderia citar muitos exemplos, mas, fico com o símbolo máximo e mais próximo de nós, Fidel Castro. Basta uma lida no livro “Guia politicamente incorreto da América Latina” para entender, (com provas materiais), como a coisa funciona. Eu particularmente, após experiências como um jovem que viveu os dois lados daquela história, posso afirmar que nem os comunistas comiam crianças e nem os militares eram gorilas.              

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