SONHANDO EM SER VEREADOR
Nino Bellieny 11/06/2016 17:38
NinoBellieny Saiu de casa preparado para o corpo a corpo. Iria deixar o carro em alguma vaga depois de rodar alguns minutos procurando. Daí, caminhar muito, acenando, cumprimentando, sorrindo, perguntando "Olá, tudo bem? Como vai? E a família?", um monte de frases feitas, ouvindo respostas prontas. Separou o dinheiro em dois maços, um em cada bolso da calça jeans, em notas de 2 e 5 reais. Pediriam dinheiro e ele puxaria sem medo de passar demais. Pagar churrasquinho, salgados, refrigerante, cervejinha, passagem de ônibus, já estava acostumado. Bujão de gás, gasolina, aluguel, isso só mais perto das eleições. Agora era no varejo, um dedo de prosa, um copinho de cachaça, um traçado de conhaque, café em copo de geléia da beiradinha trincada em cada casa, bolo, pão, almoço, nada podia ser recusado ou pensariam ser desfeita. Vai caminhando pela avenida, passa para o calçadão desnivelado, quando se eleger vai trocar o piso, pensa com seu zíper. Para nos amarelinhos, puxa conversa, fuma sem querer, toma um cafézinho, sorri sem querer, ouve muito, fala pouco, foi isso que ensinaram e está treinado. Bom dia, boa tarde, prazer em te ver, beijo no rosto das moças, nas mãos das senhorinhas, aperto de mão nem forte nem fraco: forte, ao final do dia vai estar doendo, fraco dirão que é pouco caso. Pega receita, paga receita, finge prestar atenção na história do conhecido, vem mais um pedido de emprego, promete arrumar. Duas horas já se passaram não chegou sequer perto da Concha Acústica, porém, lá é a parte mais vazia da alameda, tem pressa de chegar não, embora logo mais tenha reunião naquele bairro lá na saída da cidade e soube do barro nas ruas atolando carros e pessoas. Gosta de olhar para a Câmara Municipal onde tem certeza vai entrar como o mais votado e ser o presidente. Compra um jornal na banca da Praça dos Camelôs, aquela que, um dia era chamada de Praça Nilo Peçanha, conversa com o pessoal das barracas e volta pro calçadão. Falta falar com os taxistas, formadores de opinião, passadores de informação, prometer melhorias para a classe. Vai deixar a Assis Ribeiro para outro dia. A noite joga manchas escuras sobre os prédios, as luzes se acendem, ainda não bateu a meta de ver e ser visto no mínimo por umas 500 almas votantes. cup_coffee Beijar criancinhas está no roteiro, falar mal da administração atual se falarem, elogiar se elogiarem e de novo prometer o que sequer faz parte das funções de um vereador. Não pode se esquecer de ir à Feira no sábado.  Marcar presença de bermudas, tênis, comprar um queijo, comer caldo de pastel e carne de cana, êpa! Cabeça a mil, dormindo pouco, misturando palavras, precisa ir ao médico, mas isso fica pra depois. Avista do outro lado da calçada um concorrente. O cara é forte, tem vários currais eleitorais,  muita grana, padrinhos pesados. O outro vem sorrindo também, parecem dois espelhos se encontrando. Ambos arrumadinhos, camisa de jacaré no peito, ( "será que a dele é original?"), param, trocam amenidades, tapinhas nos ombros, "você tá eleito", "eu não, você sim" e seguem em direção opostas. Vai que surge um blogueiro e tira foto dos dois? Depois tem que se explicar pro Grupo, dizer que não tem nada a ver e ouvir argumentações de que não pode, não fica bem e o escambau. Planeja um jeito de destruir o camarada com quem estava há pouco, dono de um bom perfil, um candidato incômodo. Pensa em espalhar que o cara é gay, que foi visto com fulano em situação constrangedora, aproveita e entuba outro adversário na história pra matar dois passarinhos com um chumbinho só. Raciocina: vê que se fizer isso, periga fortalecer ainda mais o cara. São outros tempos, as minorias estão virando maioria, pode pegar mal, ser chamado de preconceituoso, homofóbico, apanhar no facebook e perder votos. Melhor bolar outro plano. Chamar de ladrão? Não adianta. De safado? Ou de honesto? Boa! A maioria do eleitorado não quer um honesto, ele não dá vantagens, não transige, isso pode funcionar... Enquanto minhoqueia ideias, deixa de falar com quem passa, perde o rumo e reconhece de que tem de se concentrar é nele e não atacar os outros, essa coisa ultrapassada... será? "Bem, ali vem D. Assimila, casada com o Dr. Passat, tenho que tratá-la com carinho, eles podem me ajudar com votos e dinheiro." Vai precisar de muito para adquirir votos. Com essa inflação, no dia de apertar a maquininha, cada um pode chegar à casa dos 300 reais ou mais. Beija, elogia, escuta, troca  número de telefone e segue. Chegou ao terminal de ônibus, cumprimenta mais gente, volta mais rápido pela outra banda da avenida, olha pra todos os lados como peru no pomar, cada um que passa é um voto em potencial. Até outubro tem que visitar mais os bairros, mas só onde tem boa penetração. Nas comunidades mais perto das nuvens precisa ser sábio e estabelecer acordos. No interior, falar a língua da amiga dona de casa e do irmão trabalhador. Ir a todos os churrascos, aniversários, coquetéis, inaugurações, missas, cultos, casamentos, velórios e enterros. Em alguns lugares levar a esposa, em outros, apenas os sargentos-eleitorais. Chega à casa, banho rápido, precisa estar na reunião do Grupo, janta pouco e às pressas, deixa espaço no bucho porque vão pintar bolinhos, sucos, e café, muito café. Tem problema não... depois de eleito, ( isso é certo),  esquece, ignora, empurra, evita, desvia, recua, viaja. Troca de casa, de carro, de mulher. O negócio é ganhar. Nas próximas, vem para ser prefeito. O negócio é se dar bem. Para o resto, kisses. "Quissesplodam..." e solta um sorriso, o primeiro verdadeiro do dia.

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