A Ciclovia Mortal
Nino Bellieny 03/06/2016 11:27
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CREA-RJ divulga resultados do estudo sobre acidente na ciclovia Tim Maia e recomenda estudo oceanográfico
Por Guilherme Fonseca Cardoso
No feriado de 21 de abril, um dia de sol e céu azul, os cariocas foram surpreendidos com a queda de um trecho da recém inaugurada ciclovia Tim Maia.
Com seus 3,9 km de extensão que acompanham a Avenida Niemeyer, a estrutura da ciclovia foi afetada por uma onda fazendo duas vítimas fatais, lamentavelmente.
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio de Janeiro - CREA-RJ, divulgou o resultado do estudo realizado pelos engenheiros civis Manoel Lapa e Silva, Fernando Celso Uchoa Cavalcanti, Gilberto Mascarenhas do Valle, José Schipper, Luiz Carneiro de Oliveira e Robson Luiz Gaiofatto. A análise realizada pelos engenheiros se baseou em documentos, coleta de dados e entrevistas com profissionais que trabalharam na construção da ciclovia.
A partir desta investigação foi identificado falha no projeto por não ter havido estudos preliminares oceanográficos dos efeitos das ondas sobre a estrutura. A única referência na memória de cálculo foi a consideração, em todos os vãos, do efeito de ondas nos pilares a uma altura de 2,5 metros.
Em relação a licitação e fiscalização do contrato, também foram apontadas falhas, como a exclusão dos itens de maior relevância técnica do edital, a comprovação de experiência pelas empresas licitantes de projeto executivo de obras de arte especiais, entende-se como “obras de artes especiais” a construção de pontes, pontilhões e viadutos. A justificativa dessa exclusão é que isso restringiria o certame, considerando-se que o vencedor da licitação poderia subcontratar o projeto executivo, o que não ocorreu. Ou seja, não foi realizado o projeto executivo de obras de arte especiais com estudos oceanográficos e também não se verificou nenhuma sanção contratual pelo contratante.
A NBR 6118/2014 que trata de Projetos de Estruturas de Concreto-Procedimentos, não foi seguida nos seguintes aspectos: Não foram consideradas as cargas previstas e quaisquer outras que possam comprometer a estabilidade ou segurança das estruturas; Não houve avaliação da conformidade do projeto por um profissional ou empresa independente, descumprindo a lei de licitações, que determina o cumprimento das Normas Técnicas Brasileiras em obras e projetos.
Sobre os aspectos dos profissionais envolvidos, o estudo apontou indícios de falta de ética não tendo sido verificados registros das ART de Projeto Básico, do Orçamento da Obra e da Fiscalização da Obra pelo Contratante e pelo Tribunal de Contas do Município.
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Ao afinal do estudo,  o CREA-RJ recomenda a realização de estudo oceanográfico do efeito das ondas em toda a ciclovia e informou que irá autuar os responsáveis técnicos pelos serviços de engenharia sem ART; aplicará o Código de Ética Profissional, de acordo com o que recomenda a resolução CONFEA 1002/2002; notificará a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas do Município e as empresas envolvidas; encaminhará toda documentação ao Ministério Público Estadual e Federal e notificará o ICEE, a Cooppe/UFRJ e o Instituto Nacional de Pesquisas Hidrográficas (INPH) para apresentarem as ART dos seus laudos técnicos.
Este trágico acidente com a ciclovia Tim Maia só reacendeu na opinião pública um tema insistentemente debatido nos meios acadêmicos e entidades profissionais que é em relação a alguns critérios e flexibilizações que foram realizadas em regimes de contratações que comprometem a qualidade das obras públicas realizadas em todo o território nacional. No caso da ciclovia Tim Maia, não se restringe apenas ao desperdício de dinheiro público mas na morte de dois cidadãos inocentes.
Além dos problemas já relacionados acima, acrescentamos, a partir de uma análise da ciclovia no contexto urbano como um novo espaço turístico a largura das faixas. Em conversa com ciclistas, consideraram a faixa de tráfego estreita em alguns trechos, ainda mais que o trajeto é compartilhado por pedestres, sem contar que nos acessos, seja a partir de São Conrado ou do Leblon, não havia, na data da inauguração, nenhum elemento como balizador fradinho que inibisse o tráfego de motocicletas, por exemplo.
O local tem uma das vistas mais belas da cidade do Rio de Janeiro, uma paisagem que é um cartão postal para o Brasil. Do Vidigal até a praia de São Conrado, o trecho que é, digamos assim, o mais isolado do percurso, também deveria ser pensando a instalação de call boxes, distribuídos em distâncias regulares, permitindo as pessoas acionarem atendimento de emergência em caso de acidente, atropelamento ou algum mal súbito. Se a ideia é investir em mobilidade, deve-se pensar a infraestrutura para os usuários, sob vários cenários, assegurando ao local segurança e conforto, caso contrário, será um acesso evitado pelas pessoas, caindo em contradição a própria existência da via.
Publicado originalmente no Diário do Rio de Janeiro, em 31 de maio de 2016 - www.diariodorio.com
Guilherme Fonseca Cardoso é arquiteto urbanista, especialista em Gestão Pública. Membro da Divisão Técnica de Transporte e Logística - DTRL do Clube de Engenharia, do Fórum Permanente de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. É articulista do Diário do Rio de Janeiro e do Blog do Nino Bellieny, da Folha da Manhã Online.

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