Pau Brasil
Mariana Luiza 22/01/2017 01:20 - Atualizado em 19/05/2020 15:18
A vista da janela do quarto de hóspedes dava para um frondoso abacateiro que crescia vertiginosamente espalhando seus fortes galhos com intrusão por todos os espaços possíveis da mata. A árvore não produziu um único abacate desde o dia em que teve sua semente lançada da janela do 303 e por própria resiliência, brotou soberana na encosta descampada. Na frente do abacateiro, um pequeno pé de Pau Brasil, que ao contrário do colega dicotiledônio, fora plantado por um grupo de escoteiros em missão de reflorestamento, resistia com bravura. A muda cresce solarenga e demoradamente, desatenta a velocidade dos tempos, desprendida da rapidez tecnológica dos e-mails e mensagens de celulares, e quase, por muito pouco, alcança a janela do quarto de hóspedes. Todos os dias, sempre por volta do meio dia, quase que pontualmente, um pequeno passarinho de peito amarelo cruza o quintal do vizinho, ignora por completo a pequena árvore em extinção e pousa nos galhos do abacateiro. Depois de um breve descanso, ele começa um exercício de vai e vem do galho do abacateiro até a grade da janela do quarto de hóspedes. Quando pousado sobre a grade, o passarinho insiste por alguns instantes em prosseguir o vôo de modo a atravessar o basculante fixo da janela. Ele lança vôo, bate com o bico no vidro, volta para a grade e imediatamente retoma o ciclo na direção do basculante. Depois de muitas insistidas e alguns minutos de esforço, o passarinho de peito amarelo voa de volta a um dos galhos do abacateiro onde descansa por alguns segundos para logo em seguida retornar a grade. Há dois anos é assim. Nos últimos meses, quando escuto do quarto ao lado, onde trabalho, o barulho de seu corpo de encontro ao vidro da janela, me levanto e corro para ver sua insistência. Ele anda se acostumando comigo. Pouco se incomoda com a minha presença na beira da janela. Quase ignora por completo minha voz e meus movimentos. Nos nossos primeiros encontros, só de me ver entrar no quarto de hóspedes, o passarinho de peito amarelo voava para longe à espera da minha ausência. Agora, passados dois anos de contato quase que diário, nem a minha voz, muito menos as frutas ou sementes que coloco próximo ao basculante para atraí-lo de outra maneira, conseguem deslocar sua atenção. Nada é capaz de deter aquele pequeno passarinho de peito amarelo. Nada é capaz de desviá-lo de seu propósito: atravessar o vidro rumo a floresta espelhada em busca da verdadeira felicidade, que mora apenas, somente e unicamente no retrato fiel do abacateiro. Quem sabe o pássaro de peito amarelo, ávido por abacates, pensa que do lado de lá do vidro a árvore espelhada seja menos preguiçosa e viva o encanto pueril dos filhos frutos. Pensei em colocar uns adesivos negros imitando pássaros no vidro, mas talvez isso despertasse a inveja e ira do insistente coleguinha de peito amarelo. Pior que insistir em vão, é perceber que um semelhante conseguiu o feito até então não realizado por você. Não queria ser a contribuinte para a frustração do passarinho já era deverasmente frustrado com a realidade presente. Pensei então em arrancar o vidro e deixá-lo entrar pelo vazio emoldurado para conhecer a realidade do meu quarto. Mas sem o reflexo da floresta, sem a fotocópia do abacateiro, será que ainda sim ele viria? Ou desapareceria para sempre convencido de que a felicidade não existe? Ahhhh, se ao menos o Pau Brasil se decidisse por viver o tempo dos homens e crescesse até alcançar a grade da janela do quarto de hóspedes.... Ahhhh quem sabe assim, o passarinho de peito amarelo não se apaixonaria pelo Brasil real desistindo de vez do espelhamento da ilusão. Ahhhhh, se ao menos o passarinho de peito amarelo pudesse olhar ao seu redor... Ahhhh se pudesse....

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