O Quase Guerrilheiro
Nino Bellieny 03/04/2016 11:51
UMA CRÔNICA PARA OS NETOS E A QUEM INTERESSAR POSSA Laércio Andrade de Souza* 1488784_1243335859013372_8662990380769293252_n
 Subir uma montanha nada tem de singular. Mas foi o que fiz no último dia 15 do corrente.  Antes passei, em Carangola, terra do amigo Randolfo Gomes e de tanta gente famosa, como Victor Nunes Leal, ministro cassado do Supremo e autor de um clássico: 'CORONELISMO, ENXADA E VOTO', que releio sempre que me vem à tona acontecimentos e comentários sobre a tão propalada 'reforma política', tão discutida e não realizada.
Prossegui a viagem até a casa da filha Carla - juíza na Comarca de Manhumirim-MG.
Lá pedi que me levasse até o Alto Caparaó. Meio reticente, a esposa Josepha, consentiu, afinal, seria um almoço, uma visita às partes mais baixas da montanha.
Mas, à medida que o carro subia, elas notaram minha empolgação e uma série de perguntas inusitadas e até incompreensíveis para elas sobre trilhas, cavernas etc. Pensaram certamente: "Pirou, aos setenta anos!", completados no último dia quatro.
É que não sabiam que em 1966 eu tinha estado lá. Jovem e cheio de idealismo, fui levado a conhecer os redutos do que seria a nossa casa na luta pela liberdade e democracia.
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Caparaó-MG/ES
Tínhamos um grupo em Itaperuna, comicamente chamavam de Grupo dos Onze em alusão à tentativa de Brizola em resistir, organizadamente, ao golpe militar de 64.
Certa manhã de 1966, chegou à Itaperuna, um senhor de aproximadamente 50 anos, no escritório em que eu estagiava, para falar de política. Eu e o titular do escritório, Dr. Olegário Maciel Colly, o recebemos com olhares de desconfiança. Estávamos num período de exceção, onde mais de dois já era 'bando' de esquerdistas, e as conversas monitoradas.
Mas, o politizado senhor, conversou amenidades, e, chegada a hora do almoço, nos convidou a ir com ele até o restaurante do Posto Guanabara, na cidade nova, conhecido bairro de Itaperuna.
Lá, abriu o verbo: 'Vim convidá-los para participar da'Guerrilha do Caparaó!
Assustei-me! E Olegário, ainda mais
'Esse cara deve ser um espião do DOPS...'
Conversa vai, conversa vem, veio a conta ao término do almoço
Olegário, então, se dispõe a pagar.
O  misterioso senhor, insistentemente recusava que pagássemos, afinal fora ele quem  nos convidara, ms Olegário, piscando um olho para o garçom não consentiu.
Sem muito entender a disputa me contentei, como estagiário, a me fartar com o lauto restauro.
Mas ao convite para visitar  o Caparaó não resisti, porém, Olegário nada disse e saiu de fininho.
Mais atrevido, fui levado no domingo seguinte,  de manhãzinha, num jipe daqueles do tempo da segunda  guerra mundial, para a montanha em um simples reconhecimento. Voltei desanimado, e, o senhor notou o meu desinteresse pela empreitada.
Despediu-se, já pela noite em Itaperuna, e nunca mais ouvi falar dele.
Certamente, tinha me testado e viu que não tínhamos o perfil esperado.
Mas, o que mais me assustou foi a inóspita região, cheia de trilhas, pedras angulares que pareciam resistir a quem as enfrentasse até chegar ao topo que, para o turista, é lindo, principalmente ao amanhecer.
Quarenta e nove anos depois, volto à  montanha.
 Sinto momentos de alegria e tristeza: 'Ao passado não se volta jamais!' como diz a canção 'La Boheme' extraordinariamente interpretada por Gigliola Cinquette, em que se retrata uma visita a Montmartre, anos depois de uma aventura amorosa! Enquanto isso na Av. Paulista, em Copacabana e em outros locais , cartazes são erguidos com os dizeres: "Volta dos militares ao poder!" e tantas outras bobagens mais.
Ao descer, já no Terreirão, tomando um cafezinho típico da região, parodiei  uma prece do Mestre, dizendo: 'Pai, perdoai esses jovens e velhos ignorantes e/ou mal intencionados: Eles não sabem o que pedem!'
Os vinte heróis da guerrilha do Caparaó, que tinham o sonho, de reeditar a 'Sierra Maestra' da  democracia e liberdade, caíram numa armadilha da PM de Manhuaçu e entregues ao exército com todas as pompas aos serviçais da época.
Certamente, mortos ou torturados.
Voltei ao meu burgo e resisti 'a mi manera', como na clássica canção imortalizada por Sinatra: My Way e também cantada por Elvis e Julio Iglesias e tantos outros.
Fundamos um jornal, 'O CORREIO DE ITAPERUNA' que depoisde poucos números, fomos aconselhados a não escrever  mais bobagens!, como eram taxadas as críticas à ditadura.
Fundei o Diretório Estudantil 'OSÓRIO RODRIGUES CONCEIÇÃO' da Fafita, hoje Centro Educacional, com as honras de participar da sua fundação, sob a liderança do notável pe. Hubert Lindelauf, do qual fui secretário e por aquiescência sua, membro do Conselho Curador, durante um bom tempo.
Mas o Golpe de 64, chamado à epoca de Redentora não foi condescendente comigo.
Na impossibilidade  de me apanharem, já que eu era pupilo de um padre respeitadísismo, prenderam dois colegas de Diretório: Luiz Carlos Oliveira (já falecido) e Ronaldo Polly, advogado em Itaperuna.
A versão que me foi apresentada para levar os meninos para o DOPS em Niterói, era a de que, tinham comprado um 'bugre' de bicheiros no Rio - aquele carrinho - adaptado de um fuscão, e tiraram onda em Itaperuna.
Sofreram muito, segundo o promotor que acompanhou o caso em Niterói, mas foram soltos pouco mais de uma semana por interveniência dele.
Com essas divagações, às 5h30min da manhã deste sábado , 21 de março de 2015, comecinho do outono, encerro minha crônica certo de que, alguém irá lê-la e tirar conclusões, principalmente os que conhecem a minha luta.
*Laércio Andrade de Souza - Escritor e jurista, membro do IAB- Instituto dos Advogados Brasileiros e membro da  Academia de Letras de Itaperuna.
NOTA DO BNB
Fotos da prisão dos chamados Guerrilheiros do Caparaó, citados pelo cronista.
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