Espólios
Mariana Luiza 30/06/2017 10:50 - Atualizado em 19/05/2020 16:14
"Rogério me deve R$120,00, 3 doses de proteína e um pote de plástico."
"Anderson nunca me devolveu a camiseta que eu comprei numa lojinha de um cinema em Rabat."
"Foram um edredom, algumas roupas e uma dívida de pães, leites e manteigas de R$800,00. Ele se mandou deixando na porta da minha casa, um fusquinha azul que de tão velho não deu nem pra pagar a conta da padaria."
Durante um período da vida, colecionei espólios do fim de relacionamentos alheios. Perguntava a amigos, conhecidos e pessoas que dificilmente encontraria novamente, qual a dívida deixada pelo ex-amor. Restos de sentenças, frases não ditas e coisas. Interessavam-me as coisas. Objetos que o outro se apossou e nunca devolveu me diziam muito mais sobre aquele relacionamento do que os sentimentos e as promessas feitas, jamais cumpridas, guardadas com todos os detalhes na última instância do rancor do entrevistado. A caneca do Fluminense que o parceiro “roubou” e nunca devolveu. A assadeira de alumínio do último frango com batatas. O conjunto de chaves de fenda que pendurou o quadro estopim do término. Para escrever esta crônica, me pus a pensar nas minhas próprias pequenezas e nos espólios dos meus ex-amores. Lembrei de um shampoo importado que ganhei de uma amiga, que me trouxe de Paris naquela época em que pouquíssimas pessoas, pelo menos das que eu conhecia, passava férias em Paris. O shampoo ficou perdido na casa dos pais do desafeto que por motivo contundente fiz questão de nunca mais falar. Hoje, o desafeto mal é lembrado. Mas o shampoo, este me faz falta. O cheiro, a textura dos cabelos, o toque sedoso depois da lavagem. Lembro como se fosse hoje. Posso e acredito que devo estar mesmo supervalorizando sabão de lavar cabelos. Vai ver o shampoo nem era tão bom assim. Mas em se tratando de fins, vale mais uma malquerença bem valorizada do que um aprendizado isento de mágoa.

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