Sexualidade, travestis, prostitutas e um Plano Nacional de Educação conservador
Tostes 29/12/2015 15:07
12436215_538724796294929_296148366_o [Por Thaís Tostes] Como Campos-RJ vivencia e trata do tema “sexualidade”? De forma geral, o tema é vinculado à área de saúde, segundo a visão do historiador Rafael França e do assistente social Paulo Freitas Júnior. Eles, que são militantes da área de direitos LGBTs, vêem como importantes os programas que distribuem camisinhas, mas destacam o tratamento limitado que é dado ao tema “sexualidade” e, ainda, a ausência dos debates dentro das escolas.
Quando se fala em sexualidade, de uma forma geral, é sempre relacionado a gravidez e DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis). A pedagogia da sexualidade, por exemplo, é muito limitada; ela não estimula o adolescente a pensar o próprio corpo. Quando se fala em sexo, se fala como se ele fosse um problema, quando não é. A sexualidade faz parte da vida humana”, afirmou Rafael.
Esse viés do mundo do sexo, linkado à saúde, é o que predomina em programas públicos municipais, como o Programa Saúde na Escola, que dá palestras sobre DSTs. Nas farmácias do município, as opções de camisinhas e outros métodos anticoncepcionais são inúmeras – são camisinhas de vários sabores, preços, cores e tecnologias. — A maioria das pessoas que compram camisinhas nas farmácias são estudantes mulheres jovens. Elas são em número muito maior do que os homens. Até pouco tempo atrás, elas ficavam com vergonha de comprar, mas isso está mudando — observou a comerciante Lourdes Lemos, de 48 anos, que trabalha numa farmácia em Campos, onde também atua a operadora de caixa Loissey Barreto, 26, que comentou: “Muitas meninas compram camisinhas ao invés de pílulas anticoncepcionais, porque camisinhas são mais discretas para se carregar e muitas garotas não possuem, em suas famílias, a abertura para conversar sobre sexo. Os próprios pais não abrem espaço. E tem uma questão: quando o filho é menino, alguns pais até estimulam o viver da sexualidade, mas quando é menina, ela não pode nem levar o namorado para dormir em casa”. Campos tem um ambulatório de sexologia, que fica no Centro de Referência e Tratamento da Mulher. Segundo a ginecologista Maria Angélica Gomes, responsável pelo ambulatório, o espaço propõe ajustar os problemas sexuais de casais – como, por exemplo, dificuldades de alcançar orgasmos, diminuição de desejo sexual ou incapacidade de fazer sexo. “Na maioria das vezes, usamos terapia comportamental. Muitas mulheres não seguem na terapia, por causa de vergonha, preconceito e questões religiosas”, contou.

Educação do Brasil fala de sexo apenas em aulas de Biologia (quando fala!)

glow-in-the-dark-condoms-3 - Cópia No mundo, a luta e os tabus ainda existem ao se tratar da sexualidade ligada aos gêneros masculino e feminino e aos andrógenos, intersexuais, assexuais, gays, lésbicas e outras diversidades. Mas muitas conquistas vêm sendo alcançadas. “Os direitos civis não são coisas naturais – são fruto da luta”, expôs Rafael, autor do livro “As aparências enganam? – A arte do fazer-se travesti”, que narra um pouco a vida (incluindo a sexualidade) das travestis e prostitutas do centro de Campos. Quando se fala da sexualidade na esfera educacional, o Brasil parece viver um retrocesso. O país que possui nomes como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano - mas também a força de Jean Wyllys – tem, no mínimo, oito Estados que retiraram, de seus planos de Educação, por conta de pressão de bancadas religiosas, referências a “identidade de gênero, diversidade e orientação sexual”. Os municípios do país também montaram planos que excluem a sexualidade em seus matizes e são esses planos que traçam diretrizes para o ensino na próxima década. O Plano Municipal de Educação de Campos (PME), por exemplo, disponível no site www.campos.rj.gov.br, não tem nada relacionado à sexualidade. Procurando, no documento, por termos como “sexo”, “sexualidade”, “sexual”, encontra-se nenhum resultado. — Um retrocesso. E envolvendo a instituição escola, que é parte fundamental para gente discutir tudo isso. Tratar de diversidade sexual e de gênero não é doutrinação ideológica: é falar de diversidade onde há diversidade. Se a gente não fala sobre sexo, sobre diversidade, a gente diminui o papel da escola. Quando a gente não discute francamente sobre sexo e sexualidade, a gente reitera os mitos e tabus. E o resultado é que a gente não se conhece — expôs Rafael. O assistente social Paulo Junior comentou: “E quando a gente olha para as escolas particulares, religiosas, vê que nesses locais a sexualidade é ainda menos abordada. Continua o conservadorismo”.

A arte do fazer-se travesti (em Campos-RJ)

red-lips-wallpaper-2 - Cópia - Cópia As travestis que circulam pelas ruas 21 de Abril e dos Andradas, no centro de Campos-RJ, são personagens do livro “As aparências enganam? A arte do fazer-se travesti”, escrito por Rafael. Um dos objetivos do livro é dar visibilidade às travestis – uma visibilidade diferente daquela que tem sido veiculada pela mídia e pelo senso comum. O autor entrevistou as personagens, conheceu seus cotidianos, residências, hábitos e valores e percebeu que há várias realidades: desde as realidades das travestis que moram com suas famílias até as realidades daquelas que não tiveram espaço e apoio em casa. São muitas configurações.
E a maioria das pessoas associam a travestilidade com a prostituição, mas nem sempre essas duas coisas andam juntas. A própria prostituição é muito marginalizada, também – as pessoas acham que é algo ruim. E quem busca pelas travestis pode ser seu pai, seu médico, seu professor, seu pastor. É algo muito comum. Acho que o que mais incomoda, nas pessoas, quando se aborda esse tema, é que elas percebem que esse universo marginal faz parte delas também – quando você se aproxima, você percebe que o marginal te compõe. No livro, falo dos sentidos que as travestis dão a esse universo; da violência que acontece nessa área; dos desejos, que elas possuem, de serem valorizadas e amadas. Existe a hipocrisia da sociedade, que diz que isso ou aquilo “não pode acontecer”. Mas as coisas acontecem e estão aí. O que ocorre é que elas “não podem ser publicizadas”, não é? – comentou Rafael.
“As aparências enganam? A arte do fazer-se travesti” é um trabalho político, que quer contribuir para um debate profundo sobre desejos, sexualidade, gênero, humanidades, e não se tornar “um inventário de curiosidade ou de exotismo”. O livro é da Editora Appris (www.editoraappris.com.br), de Curitiba-PR, e está à venda nos sites da Appris, da Livraria Cultura (www.livrariacultura.com.br) e da Editora Saraiva (www.saraiva.com.br). [caption id="attachment_204" align="alignnone" width="1600"]beautiful-sexy-black-woman-black-and-white-photo (Fotos: Thaís Tostes e Divulgação)[/caption]  

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Thaís Tostes

    [email protected]

    BLOGS - MAIS LIDAS