Comissão de Direitos Humanos da OAB investigará morte de adolescente, assinada pela Polícia Militar em bairro nobre de Campos-RJ
Tostes 18/12/2015 14:08
[caption id="attachment_180" align="alignnone" width="800"]Foto: Michelle Richa Adolescente apreendido no caso do Parque Tamandaré. (Foto: Michelle Richa)[/caption] A Comissão de Direitos Humanos (CDH) da 12ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), localizada em Campos, investigará a morte do adolescente envolvido na suposta tentativa de assalto a uma residência, no Parque Tamandaré, em Campos, na última quarta-feira (16). O menino de 15 anos, negro, morador do Jardim Carioca (periferia), foi morto com um tiro no abdômen, disparado por um policial militar, que chegou, junto com mais um policial, ao local do fato, acionados por um vizinho e pela central de alarme do imóvel. O delegado de Polícia Civil responsável pelo caso, Pedro Emílio Braga (delegado adjunto da 146ª Delegacia de Polícia-DP de Campos), afirmou que as investigações da Civil aguardam apenas a expedição do laudo da perícia (feita no local do fato e no corpo do adolescente morto) para serem concluídas. O presidente da CDH/OAB, Luis Celso Alves, disse que espera o resultado das investigações da Civil para a Comissão iniciar a sua apuração dos fatos.
Aguardamos o inquérito policial da delegacia e da Polícia Civil para que possamos conhecer as circunstâncias nas quais o policial militar teve a iniciativa de atingir o menor. Na sequência, ouviremos os policiais envolvidos, vamos conversar com o menor apreendido, com a família dos adolescentes e com as três mulheres que estavam no local no dia do fato. Aguardamos o inquérito para investigar o que aconteceu – se a ação do policial foi precipitada, se a polícia estava despreparada, se tinha ou não condições psicológicas de atuar naquele momento ou se realmente foi legítima defesa. A Comissão entende que tem que ser esgotadas todas as possibilidades para que, só depois, em último caso, o policial atinja um suspeito. O policial tem que ter um preparo muito grande em relação a isso, tem que estar sempre em treinamento, para saber negociar com o indivíduo, para que vidas possam ser salvas – tanto a vida do indivíduo suspeito do crime quando a vida do refém – disse Luis, apontando a falha do Estado na reestruturação do jovem e do adolescente, principais vítimas do quadro de envolvimentos em ações contra as leis. “Não existe nenhum trabalho de reestruturação desse menino, e nenhum trabalho de reestruturação dessa família. Muitos deles foram abandonados pelos pais”, apontou.
A VERSÃO DA POLÍCIA – Os relatos dados pelo comandante do 8º Batalhão de Polícia Militar (8º BPM) – batalhão que cobre Campos e outros municípios da região –, Marcelo Freiman, e pelo delegado Pedro Emílio dizem que dois adolescentes (um de 15 e outro de 16 anos) tentaram assaltar uma residência, na Rua Silva Arcos, no Tamandaré, onde funciona um ateliê de noivas. A versão das Polícias Militar e Civil é de que os policiais acionados para irem ao local encontraram, no fundo da residência, um dos meninos (o que foi morto), mantendo sobre seu controle uma das três mulheres que estavam no local. A versão da polícia é de que o menino apontou um revólver (de calibre 32, que estava com seis munições intactas) para um dos agentes policiais, e este, então, atirou contra o menino, atingindo-o no abdômen, o que gerou a perfuração de um órgão e, instantes depois, a morte. “Vamos investigar se a arma estava municiada, se realmente o adolescente que morreu puxou a arma com a intenção de atirar no policial. Vamos fazer uma apuração minuciosa e legítima. Caso possa ser detectada uma precipitação, na ação do policial, será pedido instauração de procedimento interno”, comentou o presidente da Comissão de Direitos Humanos. Na quarta-feira, o adolescente apreendido foi encaminhado ao Centro de Socioeducação Professora Marlene Henrique Alves (Cense), em Itereré (Campos), e ontem foi encaminhado ao Ministério Público. “Tudo acontece em fração de segundos. Alguém aponta uma arma para você – o que você vai fazer? Ouvimos as três mulheres [que estavam no ateliê], o funcionário da empresa de alarme, o adolescente que foi detido e os policiais – e a gente não pode presumir que um policial vai contar uma mentira. O tiro foi um disparo único. O policial entrou em contato com o socorrista, mas o socorro não chegou a tempo”, afirmou o delegado responsável pelo caso. REGISTRO DE MORTE COMO “AUTO DE RESISTÊNCIA” DIFICULTA INVESTIGAÇÕES IMPARCIAIS [caption id="attachment_181" align="alignnone" width="800"]Foto: Tércio Teixeira/R.U.A. Foto Coletivo Foto: Tércio Teixeira/R.U.A. Foto Coletivo[/caption] Essa morte do menino no Parque Tamandaré, assinada pela Polícia Militar, está etiquetada na 134ª DP – onde o caso está registrado – como “auto de resistência”. O auto de resistência foi criado em 1969, durante a Ditadura Militar, e ainda está em vigor. Por meio dele, autoridades legais – como policiais militares e civis – podem, segundo o texto, usar “os meios necessários para vencer a resistência”; e, depois da ação, com o apoio de duas testemunhas, é registrado um auto. Quando alguém morre em decorrência de uma intervenção policial, a Polícia Civil faz um Registro de Ocorrência (RO) e abre um procedimento administrativo para determinar se o homicídio ocorreu em legítima defesa ou se um processo criminal se faz necessário. O comandante do 8º BPM afirmou, em entrevista à imprensa, que, nesse caso dos meninos do Tamandaré, o disparo feito pelo policial “cessou a agressão” [que estaria sendo realizada pelo jovem]. A morte está sendo tratada como resultado de um “confronto”. Segundo os próprios depoimentos da Polícia, concedidos à imprensa, em momento algum o adolescente que foi morto disparou contra o policial. Sobre a possibilidade de negociar com o adolescente, o que geraria grandes chances de se evitar a morte, a Polícia Militar afirmou apenas que: “Não houve tempo para negociação”. O caso ocorreu num dos bairros mais nobres de Campos, de classe média alta. Os dois meninos são oriundos de periferia.
Na prática, o registro de “auto de resistência” dificulta investigações imparciais e independentes que poderiam determinar se o uso da força letal foi legítimo, necessário e proporcional. Ao descrever todas as mortes pela Polícia em serviço como o resultado de um “confronto”, as autoridades culpam a vítima por sua própria morte. Geralmente, declarações de policiais envolvidos nesses casos descrevem contextos de “confronto” e de troca de tiros com suspeitos de crimes. Essas versões tornam-se o ponto de partida das investigações, que apoiam o testemunho do policial de que a morte ocorreu em legítima defesa – explicou o braço brasileiro da Anistia Internacional.
 PROJETO DE LEI 4471/12, QUE ACABA COM OS AUTOS DE RESISTÊNCIA E DETERMINA A ABERTURA DE INQUÉRITO PARA APURAR MORTES ASSINADAS POR POLICIAIS, ESTÁ EM TRÂMITE NA CÂMARA DOS DEPUTADOS E NÃO É ACEITO PELA “BANCADA DA BALA” [caption id="attachment_182" align="alignnone" width="800"]Foto: Tércio Teixeira/R.U.A. Foto Coletivo Foto: Tércio Teixeira/R.U.A. Foto Coletivo[/caption] Um projeto de lei que exige a investigação imediata dos casos classificados como “auto de resistência” está tramitando, desde 2012, na Câmara dos Deputados, e sua aprovação nunca é desenrolada. É o PL 4471/12, proposto pelos deputados Paulo Teixeira (PT/SP), Miro Teixeira (Rede/RJ) e pelos ex-deputados Protógenes Queiroz e Fábio Trad. Esse projeto determina que, quando as mortes são causadas por policiais, o Ministério Público e a Defensoria Pública devem ser rapidamente informados. Este PL acaba com essa possibilidade de as lesões e mortes decorrentes de ações policiais serem justificadas por meio do registro de “auto de resistência”. - O que nós queremos é investigar. Um estudo mostrou recentemente que 60% das mortes registradas como autos de resistência foram eliminações, não houve resistência - comentou Luciano Bandeira, conselheiro da OAB-RJ, afirmando que, basicamente, o auto de resistência é um instrumento jurídico por meio do qual um policial tem o direito de reagir de modo extremo a uma ameaça sem ser processado/responsabilizado pela ação. Quando a Câmara dos Deputados aprovou o aumento da pena para crimes cometidos contra policiais, um acordo foi feito para que o PL 4471/12, que acaba com os autos de resistência, fosse votado. Mas, muitos setores da Câmara não querem aprovar o projeto – principalmente, os setores formados pelos parlamentares da chamada “bancada da bala”.
São corporações pouco transparentes - tanto a PM quanto a Polícia Civil. É preciso mudar esse modelo de registro para que haja um maior controle externo – analisa a antropóloga Ana Lúcia Schritzmeyer, do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
O PL em trâmite determina que: sempre que a ação de policiais resultar em lesão corporal ou morte, deverá ser instaurado um inquérito para apurar o fato, e o autor poderá ser preso em flagrante. Muitos policiais matam sem que de fato tenha havido confronto com o suspeito. - A polícia tem matado muito, atualmente, sem que tenha havido um confronto ou reação por parte do suspeito. E esses crimes nem sempre são investigados – com raríssimas exceções. Acho muito boa a aprovação desse PL, porque vai criar regras rigorosas para a apuração das mortes e lesões decorrentes da ação da polícia. O auto de resistência foi criado na ditadura, para legitimar a repressão policial que existia naquela época, e é usado até hoje, para encobrir crimes. Isso atrapalha muito as investigações – afirmou Luis Celso, da OAB-Campos. BRASIL: O PAÍS MAIS HOMICIDA DO MUNDO O Brasil é o país com o maior número de homicídios do mundo. 56 mil pessoas foram mortas somente em 2012. Mas a violência não atinge a todos de forma igual - ela atinge, principalmente, os jovens. No Brasil, 30 mil jovens morrem por ano, vítimas de homicídios. Entre os jovens mortos, 93% são homens, dos quais 77% são NEGROS. Apenas 8% dos homicídios são levados à justiça e grande parte deles são assinados pela polícia. As polícias brasileiras matam muito! Em 10 anos, 5.132 pessoas foram mortas por policiais só na cidade do Rio de Janeiro. Em 1 ano (2013-2014), o número de homicídios praticados pela polícia, no RJ, aumentou 40%. Saiba mais sobre esse absurdo: conheça a campanha da Anistia Internacional Brasil“Jovem Negro Vivo” e baixe aqui neste link o relatório “Você matou meu filho! – Homicídios cometidos pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro”.  

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    Thaís Tostes

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