Zaccone: o negro, morador de favela, é visto como traficante, e não o político que tem um helicóptero cheio de cocaína
Tostes 07/12/2015 15:01
[caption id="attachment_129" align="alignnone" width="960"]12294725_708541629247829_5126762894405937393_n Foto: Tércio Teixeira / R.U.A. Foto Coletivo[/caption] Campos-RJ contabiliza, do primeiro dia de 2015 até a última sexta-feira (4), segundo estatísticas do jornal Folha da Manhã, 155 homicídios registrados nas delegacias de polícia do município — a 134ª Delegacia de Polícia (DP), que fica no Centro, e a 146ª DP, de Guarus. Desses, 55 são homicídios de jovens, que tinham de 13 a 25 anos. Os jovens são o alvo em potencial dos homicídios que acontecem não apenas em Campos, mas em todo o território brasileiro. Segundo a Anistia Internacional Brasil, o país registra 30 mil jovens vítimas de homicídio por ano. Isso quer dizer 82 deles assassinados por dia, ou sete a cada duas horas. É como se um avião cheio de jovens caísse a cada dois dias. Desses 30 mil anuais, 93% são homens, dos quais 77% são negros e moradores de periferias. Em Campos, delegados de polícia apontam a mesma realidade. Os delegados da 134ª DP, Geraldo Rangel, e 146ª DP, Luís Maurício Armond e Pedro Emílio Braga, afirmaram que a maior parte das pessoas assassinadas no município são jovens; homens; pobres; de cores parda e negra; detentoras de alguma ligação com o tráfico de drogas; e moradoras da Baixada Campista e da área de Guarus. O tráfico de drogas é apontado por muitas autoridades policiais como uma teia complexa que geraria a maior parte dos homicídios de jovens. Assim, quando se fala nas formas de diminuir e colocar um fim aos homicídios, se fala, sem dúvidas, na regulamentação das drogas. — Com a regulamentação das drogas, esse comércio sai das mãos do poder paralelo e vai para as mãos do Estado, que, atualmente, não possui essa política de regulamentação. O uso de entorpecentes é inerente à humanidade, desde o início de sua história, e não se pode tratar isso como crime; tem que haver uma regulamentação. A regulamentação vai gerar o enfraquecimento das organizações e reduzirá o número de homicídios que estão ligados ao tráfico – defendeu Pedro. “Só a regularização do comércio pode enfraquecer o tráfico. A presença da polícia na favela aumenta a sensação de violência. A periferia tem que ser ocupada de escola, de cidadania, hospital, boa habitação, transporte decente, e de participação política", comentou o doutor em Sociologia Guilherme Vargues. Em Campos, segundo a Folha, 183 pessoas foram vítimas de homicídios em 2014. Desse total, 90 são jovens de 13 a 25 anos. O Brasil é o país que mais mata no mundo: só de 2002 a 2007 foram 192 mil homicídios; número que supera as mortes ocorridas, no mesmo período, nos 12 maiores conflitos e guerras mundiais (Iraque, Sudão, Afeganistão, Colômbia, Congo, Sri Lanka, Índia, Somália, Nepal, Paquistão, Caxemira e Israel/territórios árabes), que foram 170 mil, no total.

Zaccone: tráfico usado para legitimar mortes

[caption id="attachment_130" align="alignnone" width="640"]20140221Zaccone_2841_Web - Cópia Foto: revista Sem Semente (www.semsemente.com)[/caption] Porta-voz da representação no Brasil da organização Leap (“Law Enforcement Against Prohibition”, órgão formado por agentes da lei contra a proibição das drogas) e autor do livro “Indignos de Vida”, o delegado de Polícia Civil Orlando Zaccone comentou, em entrevista para essa matéria, sobre a legitimação que a sociedade dá às mortes de pessoas que são ligadas ao tráfico (os indivíduos “indignos de vida”). Quando a vítima é suspeita de ter relação com o tráfico de drogas, a investigação geralmente foca em seu perfil criminal a fim de legitimar aquela morte, ao invés de determinar as circunstâncias do homicídio. — A lei não autoriza a polícia a matar traficantes. Se uma pessoa é construída como “inimigo”, no imaginário social, sua morte é autorizada. Não se discute a própria violência, e sim se a vítima era pedreiro ou traficante – ou seja, a condição do morto. Há um extermínio de determinadas pessoas, que são classificadas como matáveis. A própria imprensa reproduz isso também. Uma matéria que li, por exemplo, tinha como título “Polícia não consegue provar que o morto era bandido”. No proibicionismo das drogas é onde se constrói o traficante, esse ser que “comporta todo o mal do mundo” e que é responsável por tudo de ruim que acontece. Então, cria-se essa categoria de ser, vista pelos operadores jurídicos como alguém que não tem direito à vida, e isso amplia o poder letal da polícia – analisou Zaccone, adicionando: “E muitos jovens, negros, pobres, dos guetos, passam a ser os alvos dessas ações. É muito fácil construir que o jovem, negro, morador de favela é traficante. O difícil é construir que empresários e políticos, que andam num helicóptero cheio de cocaína, são traficantes”.

Impunidade absoluta: menos de 8% dos homicídios vão à Justiça

anistia00111112014011621 Segundo a Anistia Internacional Brasil, de todos os homicídios cometidos no país, menos de 8% são levados à Justiça, o que representa uma grande impunidade. Diante desse panorama, a Anistia mantém a campanha “Jovem Negro Vivo”, que busca informar a sociedade sobre qual é o público-alvo dos homicídios. “A violência não atinge a todos de forma igual. A maioria das mortes são de jovens negros”, disse o órgão. “Esse panorama mostra, sem dúvidas, a criminalização da pobreza”, afirmou Vargues. A Anistia entende que as políticas de segurança pública no Brasil são marcadas por operações policiais repressivas nas favelas e áreas marginalizadas. Um caso recente de homicídios envolvendo a polícia em comunidades aconteceu no último dia 28, quando cinco jovens —negros/pardos, pobres, homens —, moradores da comunidade Costa Barros, no Rio, foram vítimas de uma chacina assinada por policiais militares, que dispararam mais de 100 tiros contra os meninos. “Frequentemente, o discurso oficial culpa as vítimas, já estigmatizadas por uma cultura de racismo, discriminação e criminalização da pobreza. Parte significativa da sociedade brasileira legitima essas mortes”, defende a Anistia.

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    Thaís Tostes

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