A Espera
Mariana Luiza 22/01/2017 01:21 - Atualizado em 19/05/2020 11:15
Faltam 11 dias para 2016 e um corpo com vida queima junto à língua portuguesa. Ardem o gogó, a bunda, a banguela, a cacunda, o tutano e o calombo. Ardem as palavras, as escadas, os elevadores e acessos à cultura de miscigenações unidas APENAS por uma mesma língua. Acendem a maconha, a guimba, o cachimbo. Queimam no amarelo do fogo o amarelejo da pipoca, da pamonha, do abacaxi, da cachaça envelhecida e dos quitutes como quindim. Esturricam na encarnada chama a pitanga, a goiaba, a vermelhidão das glândulas salivares doentes de caxumba e da pele pururucada de catapora. Na estação onde reinou a luz, quem rege agora é o fogo. Que torra as palavras, incendeia os andares e só respeita o tempo porque precisa dele para continuar a queimar, a queimar, a queimar. Os ponteiros do relógio, presos a única torre não atingida pelas chamas, ainda giram aproximando-se de um novo ano tão almejado pelos que arderam neste 2015.
Faltam 7 dias para 2016. As crianças contempladas pelo Papai Noel brincam com seus presentes. Aqueles que tiveram ceia farta na noite anterior comem no almoço uma reinvenção das sobras, ou UM novo cardápio de ingredientes inéditos. Para os que têm família, o dia é de confraternização, alegrias, barracos, quebra paus e cobranças. Para aqueles que não têm, pode ser um dia como qualquer outro de folga ou de trabalho. É natal e enquanto cada um aproveita o feriado como pode, a lama perdura protagonista no Rio Doce e persiste na sua incumbência de invadir mar adentro e explorar qualquer novo espaço que lhe é permitido. Desde o rompimento das barragens, nada foi feito para combater seu o avanço. Apenas esperamos. Assim como acontece na passagem do ano, onde cada meridiano aguarda com ansiedade a sua vez de saudar o início de um novo ciclo, as cidades onde permeia o Rio Doce aguardaram a invasão da solidão alaranjada nas águas translúcidas repletas de vidas. Alguns peixes puderam ser salvos, algumas pessoas que viviam na ribeira foram removidas, mas contra a inevitável chegada do barro colossal só nos restou esperar.
Faltam 2 dias para o 2016. O relógio da estação registra, sem ansiedade, o tempo presente. Ele continua sua rotina, sem se comover com as cinzas, com as madeiras carbonizadas, com o corpo queimado já sepultado. O relógio minuta o passar das horas, sem esperança, sem esperar. 2016 será para ele como foi 2015, com a diferença de um dia a mais, por ser um ano bissexto, mas ele é relógio, não é calendário, então... na prática isso não muda muito. Trabalha mecanicamente o tempo presente, como o fogo, como a lama. Cada um, na sua singularidade, seguindo seu destino e procurando se alastrar por onde haja ar, por onde haja água, por onde houver espaço que lhe aceite e lhe receba. Eles seguem, sem entender as consequências do que causaram na vida das pessoas. Porque o sentir e o sentido quem dá é a gente.  

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