Imagine-se Morando em uma Cidade Assim
Nino Bellieny 16/10/2015 09:15
utopia1 ========================================================================================================================================================================================================================================================================== BEM VINDO À IMAGINÁRIA NinoBellieny As ruas cheias de buracos. Os bairros nobres e pobres, mal iluminados e também cheios de buracos. Se uma das crateras resolvesse candidatar-se, elegeria-se, tamanha popularidade e familiaridade com o cidadão. Nesse lugar imaginado, nuvens de poeira sobem com facilidade nas épocas secas e quentes, ou seja na maioria dos meses. Chovendo, lamaçal, carros atolados e insalubridade. No rio quase morto de Imaginária, ( o nome da cidade é esse), o esgoto desce com força, sem nenhum tipo de tratamento. A única estação existente não funciona. Os urubus enfeitam as pedras do Rio Quase Morto, e os pescadores se aproveitam das poças onde os peixes vão se refugiar em busca de oxigênio. As garças enchem a pança, o mau cheiro sobe pelas tubulações e vaza pelas ruas. A orla do rio poderia ser uma das mais belas da região, no entanto, só existe no papel. No dia a dia, tem lixo, mato, sem-tetos e promessas não cumpridas. Não plantam muitas árvores como deveriam. Reclamar do calor é esporte e no pouco tempo de  frio, também. O transito é caótico como nas maiores cidades do mundo, mas, quem já dirigiu em Bombaim, sabe que, lá, existe pelo menos uma ordem invisível, uma sincronia em meio à bagunça dos milhares de veículos. Em Imaginária, é de sorte o dia em que não há um acidente de carro ou de motocicleta.   Estas, sobem pelas calçadas, cortam em zigs-zags, são milhares. As bicicletas se oprimem e os pedestres dançam sem música. Para variar, a cidade tem um dos climas mais quentes da província. Existem  grandes casas muito belas, em quase toda a parte. Muitos prédios suntuosos e magníficas lojas. Zanzando pelas ruas, centenas de cães abandonados. Não tem um centro de controle de zoonoses. Eles vivem da piedade e da indiferença em doses maiores para a segunda. Imaginária é polo educacional, tem os melhores cursos do país e recebe jovens de toda a parte. Hospitais de ponta são a esperança e a cura de muitos. A polícia, de alto padrão, oferece segurança e tranquilidade. Quando chega o verão, a cidade se esvazia. Quem pode, se muda de malas e cuias para as praias, quem não pode, faz o mesmo, é uma debandada geral. Não há lazer em Imaginária, nem museu, nem uma grande biblioteca, exposições de arte, nada disso. Um único cinema resiste com bravura. Livrarias não existem, pontos turísticos, só um, sem estímulo nem fácil acesso. Assim como abrigos em pontos de ônibus. Os imaginenses usam marquises, entram em lojas, fazem fila para aproveitar a fina sombra de um poste. Procurando estacionar seus carros espetaculares, giram meia hora por uma vaga. Se fossem caminhando, gastariam cinco minutos. Fechados em suas fortalezas sobre rodas, com o ar condicionado ao máximo, vão para o trabalho, respiram ar condicionado, voltam para casa, bebem ar condicionado, só percebem que a cidade vai mal pelos solavancos das ruas esburacadas e despesas extras com amortecedores. Vivem em uma bolha de ar condicionado. Em Imaginária, são poucos muito-muito-ricos, alguns mais-ou-menos -ricos, muitos-aparentemente-ricos e muitos-pobres-muitos.   O imaginense é simpático, hospitaleiro, honesto, cordato, ano entra, ano sai, reconhece que vota em nomes diferentes, mas, que são no fundo, as mesmas pessoas. Sabe quem manda na cidade e quem pensa que manda. Sabe nada pensando saber tudo. Esbraveja, reclama, dá nomes aos bois, porém, quando o dono da boiada chega, se derrete, sorri, faz graça, cambalhotas e agrados. Quer um lugarzinho no céu do poder e se contenta com qualquer bocadinho. Imaginária de quatro em quatro anos, diz que vai mudar, esse é o verbo mais usado nos slogans de campanhas para prefeito e vereador: mudar. Amigo estranha amigo, processos comem, brigas se consomem, o pau canta dia e noite em batalhas gigantescas, plenas de baixarias. Depois, tudo se ajeita, um cargo ali, um outro aqui e a paz reina como a dos  cemitérios. Em volta, tudo se transforma, mas, Imaginária continua tradicional, mudam as aparências, só o conteúdo é o mesmo do tempo das ferrovias. Ainda assim, tem um mistério, uma força que entra pelos pés, saída da terra e vai direto ao coração, fazendo com que, quem nela passe, nunca mais se esqueça e a ame profundamente como uma raiz ama ao solo. É desse jeito que a cidade sobrevive, se eterniza e fica maior do que aqueles que, simplesmente a devoram como formigas. Todos passam, Imaginária fica. Pelo menos, enquanto seu Rio Quase Morto, teimar em não morrer de vez. ======================= Ilustração: pielak.blogspot.com

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