O MPF Nos Dias de Hoje
Nino Bellieny 07/08/2015 17:10
====================================================== [caption id="attachment_4304" align="alignnone" width="300"]Foto-outubrorevista.com.br ilustração:outubrorevista.com.br[/caption] Mais um artigo do professor Cláudio Chequer, publicado na prestigiada revista Carta Forense e aqui reproduzido sob autorização do articulista.

DIREITOS HUMANOS

O papel do Ministério Público no Estado Contemporâneo

No ordenamento jurídico brasileiro, a imprescindibilidade de considerarmos a eficácia imediata e direta dos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas (eficácia horizontal dos direitos fundamentais) já está bastante sedimentada na doutrina e na jurisprudência. Diante dessa premissa, cumpre-nos agora definir o papel do Ministério Público, como expressão do Estado, segundo expressa determinação constitucional (arts. 127 e 128 da CF), para dar plena eficácia aos direitos fundamentais nas relações horizontais (entre particulares).   Dessa forma, um questionamento preliminar se mostra evidente: o Ministério Público, como defensor dos interesses da sociedade, estará mesmo autorizado a atuar numa relação estabelecida entre dois particulares se um deles, nas linhas horizontais das relações igualitárias jurídico-civis, afivelar a máscara do poder para impor ao seu parceiro contratual amputações mais ou menos sutis da esfera de proteção de seus direitos fundamentais?   Como questiona Joaquim Gomes Canotilho, em lições escritas para o Provedor de Justiça de Portugal, mas que se aplicam inteiramente ao Ministério Público Brasileiro, “o que é que tem o Estado a ver com a vida privada dos indivíduos? [...] porque se preocupa ‘o nosso defensor do povo’ com problemas das relações privadas entre os particulares? Não traduzirão estas angústias um incontido apelo à constitucionalização absorvente dos espaços da nossa vida civil?”   A princípio, cabe esclarecer que o conceito de ordem pública que prevalecia na vigência do Estado Liberal não coincide com o conceito de ordem pública em vigor num Estado Social. A ordem pública de outrora (ordem pública clássica), era centrada nas concepções do liberalismo político e econômico, partindo do pressuposto de que a economia possuía uma “constituição interna”, uma organização própria que deveria ser respeitada na sua própria estrutura. A ordem pública tinha como função preservar os princípios fundamentais sobre os quais se baseava o liberalismo político e econômico. Por outro lado, como entre esses princípios estava a autonomia da vontade das partes, possíveis restrições à liberdade seriam necessariamente excepcionais.   O princípio de ordem pública adotado pelo sistema jurídico em vigor num Estado Social, por outro lado, embasa-se em dois direcionamentos fundamentais: a direção e a proteção. Enquanto a ordem pública de direção tem por objetivo imprimir determinado rumo organizacional à economia do País; a ordem pública de proteção tem por finalidade criar normas que se destinam a estabelecer uma igualdade real e concreta entre os cidadãos, compensando, através da proteção jurídica aos mais fracos, aos mais desfavorecidos, a desigualdade econômica existente.   Em suma, o Estado Social não se limita mais a mediar as relações privadas e controlar as regras do jogo, passando a intervir, de forma incisiva, em busca de objetivos fundamentais de justiça social. A meta da justiça retributiva, conquista da Revolução Francesa, dá lugar à justiça distributiva, com o acentuado intervencionismo estatal e o dirigismo contratual que, no Brasil, é fartamente documentado a partir dos anos 30.   Modificando-se o entendimento existente a respeito de ordem pública e tendo o Ministério Público a atribuição funcional, dada pela própria Constituição da República (art. 127), de defender a ordem pública, podemos chegar a uma conclusão: que tal modificação implicou também uma profunda transformação das funções do Parquet.   Se no Estado Liberal o Ministério Público estava autorizado tão-somente a intervir quando houvesse ofensa à liberdade, valor quase que absoluto para o Estado não intervencionista, no Estado Social o Ministério Público passa a ter uma atuação mais ativa, com suas ações visando não somente a reprimir ilícitos que vierem a colocar a liberdade alheia em perigo, mas também objetivando a concretização efetiva dos direitos fundamentais em busca de assegurar uma igualdade material exigida (imposta) pelo Estado do Bem-Estar Social.   Esta atuação mais ativa (promocional) do Ministério Público pode ser vislumbrada também diante de um Estado apenas regulamentador (pós Estado Social), levando-se em consideração, por um lado, os objetivos e ideais constitucionais e, por outro, diante da maior vulnerabilidade dos direitos fundamentais diante do clima liberalizante em que os operadores são entidades privadas.   No Estado contemporâneo, o Ministério Público exerce, de certo modo, o poder de vetar decisões tomadas por qualquer órgão dos Poderes do Estado, pela atribuição constitucional que lhe foi dada de impugnar em juízo os atos dos demais Poderes, contrários à ordem jurídica e ao regime democrático. A isto se acresce, ainda, a nova atribuição de promover a realização dos objetivos fundamentais do Estado, expressas no art. 3º da Constituição de 1988, pela defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis, consubstanciados no conjunto dos direitos humanos.   Sem embargo, a Constituição da República concedeu ao Ministério Público, de forma expressa, a atribuição de defender essa nova ordem pública (que agora exige a compatibilização da liberdade com a igualdade substancial), conferindo-lhe, assim, a função de principal agente de promoção dos valores e direitos indisponíveis, situados no vértice do ordenamento. Adquiriu o Ministério Público uma função promocional, coerente com o papel definido para o Estado [Social] nos princípios gerais da Constituição e especificado pelo art. 129 do texto maior.   Além dessa função promocional dos direitos fundamentais nas relações estabelecidas entre um particular e o Estado, cabe ao Ministério Público ainda defender e promover os direitos fundamentais nas relações horizontais, estabelecidas entre dois particulares.   Se o empresário ou a empresa que objetiva contratar um trabalhador tem que respeitar a dignidade humana desse trabalhador, em se tratando de um contrato que objetiva, por exemplo, a compra e venda de um imóvel, portanto, contrato regido pelo Direito Civil, visto esse ramo do direito agora sob a filtragem constitucional e levando-se em consideração que a dignidade da pessoa humana é parte componente do conceito de ordem pública, analisando ainda a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, torna-se imprescindível também que o contratante respeite a dignidade humana dos potenciais contratados.   Assim, da mesma forma que o Ministério Público do Trabalho tem ajuizado ações civis públicas objetivando eliminar a discriminação no contrato de trabalho, o Ministério Público também deverá intervir objetivando anular todas as cláusulas contratuais que possam ofender o núcleo essencial de direitos fundamentais de terceiros, a dignidade da pessoa humana de terceiros.   No âmbito do Direito Civil (Direito Civil-Constitucional), todas essas lições, no sentido de fazer valer nas relações horizontais os direitos fundamentais, pelo menos em seu núcleo essencial, devem ser aplicadas, encontrando-se no Ministério Público o protagonista na efetivação dos direitos fundamentais nas relações horizontais. O MP assume, desta forma, uma função promocional, coerente com o papel definido para o Estado nos princípios gerais da Constituição e especificado pelo art. 129 da Constituição de 1988.   O Ministério Público, diante da atribuição constitucional que lhe conferiu autoridade para defender a ordem pública, não pode admitir que numa relação estabelecida entre particulares, em se vislumbrando a existência de interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos ou individuais indisponíveis, seja estabelecida cláusula contratual que venha a ferir a dignidade da pessoa humana, o núcleo essencial de um direito fundamental.   Os contratos firmados entre as partes, se instituídos de forma a ofender a dignidade da pessoa humana (núcleo essencial dos direitos fundamentais), são estabelecidos de forma capaz de contrariar a ordem pública e o Ministério Público, então, passa a ter legitimidade para intervir neste contrato. A atuação ministerial aqui terá a finalidade de buscar a anulação ou adequação do contrato, diante de sua atribuição constitucional de defensor e promotor da ordem pública.   Considerando como válida a premissa da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, se ficar evidenciada a ofensa ao núcleo essencial dos direitos fundamentais em razão de uma cláusula contratual estabelecida numa relação firmada entre particulares, o Ministério Público estará autorizado a atuar objetivando expurgar do mundo jurídico a cláusula contratual instituída em ofensa ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, em ofensa à ordem pública.  

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Nino Bellieny

    [email protected]

    BLOGS - MAIS LIDAS