Quem é normal?
lucianaportinho 22/07/2015 16:22
Por Suzana Herculano-Houzes ( Neurocientista)
Dizem que o cérebro humano é o sistema mais complexo do universo, aquele cuja definição requer a maior quantidade de informações. Parte dessa complexidade –a que cabe em combinações variadas de uns 10 a 20 mil genes, não mais– é definida geneticamente; outra parte, enorme e impossível de se quantificar, é definida ao longo da vida, ao sabor da construção autorregulada do cérebro e do seu próprio uso
Em termos biológicos, é espantoso que mais coisas não deem errado mais vezes. É tão maravilhoso que um sistema tão complexo funcione tão bem na maioria dos casos, e na maior parte do tempo, que seguimos alheios à multiplicidade de bombas por explodir em nossos corpos, acreditando na normalidade da vida. A tal normalidade é um conceito enganoso. Em português comum, ser "normal" significa ser saudável, perfeito. Matematicamente, contudo, "normal" é apenas aquele que cai no centro da distribuição estatística de um parâmetro. E dada a complexidade do cérebro, dificilmente alguém matematicamente normal é também perfeitamente saudável. Duvida? Vejamos. De acordo com as estatísticas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, ao menos 30% dos adultos sofrem, sofreram ou vão sofrer de um transtorno de ansiedade em algum momento da vida; mais de 20%, de depressão, mania ou bipolaridade; quase 20%, de enxaquecas. Dos idosos com mais de 65 anos, 13% tem doença de Alzheimer, e dentre aqueles com mais de 85 anos, 45%. Cerca de 9% dos adolescentes sofrem de algum grau de distúrbio de déficit de atenção, cerca de 9% das crianças e adultos tem algum distúrbio de personalidade (borderline, evitante ou antissocial). Cerca de 4% das pessoas sofrem ao menos um ataque epiléptico ao longo da vida, e 3% sofre ao menos um AVC. Dos jovens adultos, 2% tem transtorno obsessivo-compulsivo; cerca de 1% da população tem algum grau de autismo (ou síndrome de Asperger); outro 1% sofre de esquizofrenia. E um número enorme ainda escolhe destruir o próprio cérebro com drogas variadas. Assim como a pessoa "média" não existe –aquela com exatamente a altura média, o peso médio, a distância entre os olhos, a frequência cardíaca média da população–, a chance de alguém ser normal a vida toda, sem qualquer transtorno neurológico, é ínfima. De perto, ninguém é normal. Nem deveria ser: porque normal, afinal, é não ser normal. Ainda bem que a medicina está aí para isso.
Artigo publicado na Folha de São Paulo

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