Atafona: amor que não se mede
29/03/2015 12:03

Thaís Tostes e
Paula Vigneron
Foto: Aluysio Abreu Barbosa 

Uma localidade que originou um município. Uma praia que, na década de 40, conservava cassinos, estação ferroviária e uma estrutura incomum a outras áreas próximas. Atafona, o primeiro núcleo de colonização do estado do Rio de Janeiro, teve extrema importância histórica e, hoje, essas memórias não são levadas à frente. Apesar da ausência de políticas voltadas para a preservação da história, diversos amantes de Atafona tentam, diariamente, resgatar o passado por meio da junção de recordações pessoais. Um grupo de pessoas tenta, por meio de uma página no Facebook intitulada “Lembranças de Atafona”, resgatar o passado do balneário. A comunidade conta, atualmente, com quase seis mil membros, que divulgam vídeos, fotos, matérias e relatos sobre a praia; uma paixão em todas as estações.

Diariamente, os integrantes do grupo discutem sobre a realidade de Atafona e oferecem materiais que funcionam como um retorno imediato a histórias que têm ficado para trás. Uma das pessoas que colaboram com a página é a internauta Ana Maria Branco, que citou, em post recente com imagem, uma das coisas que mais gosta no litoral sanjoanense: “Delícias (como pratos a base de camarões) só têm sabor especial se forem degustadas na companhia do ‘vento nordeste’ de Atafona, com todo o ritual que pede esta iguaria espetacular!”

Autor de três livros sobre Atafona (“Uma dama chamada Atafona”; “Atafona: sua história e sua gente”; “Atafona: o moinho do pescador”), o jornalista João Noronha acredita que a história da praia continua se perdendo. “Atafona foi onde tudo começou. As escolas deveriam se preocupar mais em valorizar o patrimônio histórico do lugar. Deveria haver conscientização da população e dos governantes. O papel que deveria ser exercido pelo poder público está deixando de ser feito. As escolas tinham que realizar visitas de campo para despertar a consciência das crianças”, afirmou.

Imagens da Igreja Nossa Senhora dos Navegantes, do Bar do Ronaldo, do prédio do Julinho e de casas parcial ou totalmente destruídas compõem o acervo dos internautas na página do Facebook. A troca de informações entre os membros é uma das formas de aprender sobre a localidade. A história local também vive na lembrança dos internautas, dentre eles Roleandro Amaral, que escreveu o que passa em sua memória quando fala-se em Atafona. “Lembrança muito boa: meu tio Tenente Largado, sempre com sua barraca no Pontal e no fim da vida no Balneário. Bicho largado, saudades!”

Um dos internautas na page da rede social é o jornalista Aluysio Abreu Barbosa, que é apaixonado por Atafona, local que ele considera sua terra (ou mar) de origem.

“Atafona é paixão. Você pode não ligar, até desgostar. Mas não pode simplesmente gostar. Ela faz parte da sua alma. Nasci em Niterói, fui criado em Campos e já morei no Rio. Mas sempre que alguém me pergunta, digo que sou de Atafona. Suas lembranças estão entre minhas primeiras, nos anos 1970, passando por todas as fases da vida, até hoje. É um sentido de identidade que me foi passado pelo meu pai e que leguei ao meu filho. Aquela faixa de areia cada vez menor entre o Paraíba e o Atlântico é o meu lugar no mundo, minha Ítaca, de onde eu vim e para onde sempre voltarei. Deságuo naquela foz”, grafou Aluysio.

No último dia 22 de março, um dos administradores da página, Cyreno Gloria, postou imagens no grupo em agradecimento aos membros. A data marcou o aniversário de dois anos da página, na qual é possível encontrar, também, poesias, livros e músicas sobre Atafona e uma relação de casas que possuíam/possuem nome na fachada.

“No momento em que estamos quase chegando aos seis mil membros, gostaria de compartilhar com todos a comemoração do nosso aniversário de dois anos. Obrigado a todos por todas as suas postagens que, com certeza, fortalecem nossas lembranças e nos alegram tanto, uma vez que somos todos amantes dessa nossa Atafoninha. Apesar dela estar há anos sendo abraçada pelo seu mar cor de mel, temos lembranças inesquecíveis e continuamos seus amantes, mesmo com todo o abandono por parte das autoridades (e dos estragos que a natureza não quer fazer, mas o próprio homem abre caminho)”, escreveu Cyreno.

Um movimento tem sido feito em prol de Atafona pela sociedade civil organizada. Em uma postagem, o advogado Geraldo Machado, participante do grupo, informou que “é irreversível o movimento que vai acabar, sim, na regeneração da balneabilidade de Atafona e na regularização do canal de saída do rio, com óbvios benefícios à comunidade pesqueira”. O grupo conseguiu uma audiência com o governo do município para o decorrer da semana. “A gente vai pedir a ele que encampe nossa ideia e que isso seja anunciado e discutido através de uma audiência pública, com a necessária urgência”, afirmou, em um post.

Protagonista de fatos históricos

Protagonista de importantes fatos históricos, o passado de Atafona tem sido esquecido. Para o jornalista João Noronha, não existe interesse em despertar a atenção da população para a história local.

— E não é problema do grupo que está no governo atualmente. É problema que vem de antes, de outros grupos. Um balneário tão importante, principalmente na década de 40, está ficando esquecido na memória do povo e dos políticos. Atafona deveria receber melhor tratamento, maior cuidado e carinho, mas não vejo isso — opinou.

Segundo o jornalista, o principal agente multiplicador da história e memórias locais deveria ser a escola, por meio de visitas a patrimônios, como uma forma de mostrar aos mais novos a importância histórica da localidade.

— Foi uma das praias com o maior clima medicinal do mundo, nos anos 40. Atafona foi citada internacionalmente. Hoje, as pessoas falam que ela é o terceiro maior clima do mundo, mas já não é mais — disse o comunicador. “Recentemente, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, comentei com amigos que lá é o único lugar em que a memória não morre. É onde meus livros estão catalogados. Você vê que a história não se pede. Mas, do lado de cá, poderia ser preservada, buscar parcerias com grandes empresas, mas isso não acontece”, acrescentou.

Táticas de preservação e perpetuação da memória são desconsideradas pelo município, conforme a interpretação de Noronha. O campista, morador de Chapéu de Sol, critica a falta de catalogação do acervo patrimonial da cidade e a instalação de placas ou marcos em pontos históricos de Atafona.

— Em frente à primeira escolinha primaria, não há referência. Todo esse processo histórico tem que ser catalogado e preservado. Atafona tem um prédio que seria a primeira Escola de Aprendizes Marinheiros, e ninguém sabe por que o prédio estar ali. É a memória de um povo. Um povo sem cultura é um povo sem memória — destacou.

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