A carta...
bethlandim 16/01/2015 15:07

 

A carta abaixo foi escrita por um imigrante vietnamita que é policial no Japão (Fukushima). Foi enviada a um jornal em Shangai que traduziu e publicou. Procurei ser o mais fiel possível ao texto original.

“Querido irmão, como estão você e sua família? Estes últimos dias tem sido um verdadeiro caos. Quando fecho meus olhos, vejo cadáveres e quando os abro, também vejo cadáveres. Cada um de nós está trabalhando umas 20 horas por dia e mesmo assim, gostaria que houvesse 48 horas no dia para poder continuar ajudar e resgatar as pessoas. Estamos sem água e eletricidade e as porções de comida estão quase a zero. Mal conseguimos mudar os refugiados e logo há ordens para mudá-los para outros lugares. Atualmente estou em Fukushima – a uns 25 quilômetros da usina nuclear.

Tenho tanto a contar que se fosse contar tudo, essa carta se tornaria um verdadeiro romance sobre relações humanas e comportamentos durante tempos de crise. As pessoas aqui permanecem calmas – seu senso de dignidade e seu comportamento são muito bons – assim, as coisas não são tão ruins como poderiam. Entretanto, mais uma semana, não posso garantir que as coisas não cheguem a um ponto onde não poderemos dar proteção e manter a ordem de forma apropriada. Afinal de contas, eles são humanos e quando a fome e a sede se sobrepõem à dignidade, eles farão o que tiver que ser feito para conseguir comida e água. O governo está tentando fornecer suprimentos pelo ar enviando comida e medicamentos, mas é como jogar um pouco de sal no oceano.

Irmão querido houve um incidente realmente tocante que envolveu um garotinho japonês que ensinou um adulto como eu uma lição de como se comportar como um verdadeiro ser humano. Ontem à noite fui enviado para uma escola infantil para ajudar uma organização de caridade a distribuir comida aos refugiados. Era uma fila muito longa que ia longe. Vi um garotinho de uns nove anos. Ele estava usando uma camiseta e shorts. Estava ficando muito frio e o garoto estava no final da fila. Fiquei preocupado se, ao chegar sua vez, poderia não haver mais comida. Fui falar com ele. Ele disse que estava na escola quando o terremoto ocorreu. Seu pai trabalhava perto e estava se dirigindo para a escola. O garoto estava no terraço do terceiro andar quando viu a tsunami levar o carro do seu pai. Perguntei sobre sua mãe. Ele disse que sua casa era bem perto da praia e que sua mãe e sua irmãzinha provavelmente não sobreviveram. Ele virou a cabeça para limpar uma lágrima quando perguntei sobre sua família. O garoto estava tremendo. Tirei minha jaqueta de policial e coloquei sobre ele. Foi ai que a minha bolsa de comida caiu.

Peguei-a e dei-a a ele. “Quando chegar a sua vez, a comida pode ter acabado. Assim, aqui está a minha porção. Eu já comi. Por que você não come”? Ele pegou a minha comida e fez uma reverência. Pensei que ele iria comer imediatamente, mas ele não o fez. Pegou a bolsa de comida, foi até o início da fila e colocou-a onde todas as outras comidas estavam esperando para serem distribuídas. Fiquei chocado. Perguntei-lhe por que ele não havia comido ao invés de colocar a comida na pilha de comida para distribuição. Ele respondeu: “Porque vejo pessoas com mais fome que eu. Se eu colocar a comida lá, eles irão distribuir a comida mais igualmente”. Quando ouvi aquilo, me virei para que as pessoas não me vissem chorar. Uma sociedade que pode produzir uma pessoa de nove anos que compreende o conceito de sacrifício para o bem maior deve ser uma grande sociedade, um grande povo.

Bem, envie minhas saudações a sua família.

Tenho que ir, meu plantão já começou.” Ha Minh Thanh

Vejam que interessante - morreram mais de 15 mil pessoas no Japão - em dois desastres que fazem com que as nossas enchentes sejam coisas evitáveis. O que podemos aprender com o Japão? A CALMA - Nenhuma imagem de gente se lamentando, gritando e reclamando que “havia perdido tudo”. A tristeza por si só já bastava; A DIGNIDADE - Filas disciplinadas para água e comida. Nenhuma palavra dura e nenhum gesto de desagravo; A HABILIDADE - Arquitetos fantásticos, por exemplo. Os prédios balançaram, mas não caíram; A SOLIDARIEDADE - As pessoas compravam somente o que realmente necessitavam no momento. Assim todos poderiam comprar alguma coisa; A ORDEM - Nenhum saque a lojas. Sem buzinaço e tráfego pesado nas estradas. Apenas compreensão; O SACRIFÍCIO - Cinqüenta trabalhadores ficaram para bombear água do mar para os reatores da usina de Fukushima. Como poderão ser recompensados?; A TERNURA - Os restaurantes cortaram pela metade seus preços. Caixas eletrônicos deixados sem qualquer tipo de vigilância. Os fortes cuidavam dos fracos; O TREINAMENTO - Velhos e jovens, todos sabiam o que fazer e fizeram exatamente o que lhes foi ensinado; A IMPRENSA - Mostraram enorme discrição nos boletins de notícias. Nada de reportagens sensacionalistas. Apenas reportagens relatando os fatos; A CONSCIÊNCIA - Quando a energia acabava em uma loja, as pessoas recolocavam as mercadorias nas prateleiras e saiam calmamente.

A Educação é o maior bem que uma pessoa pode receber, pensemos nisso...

É um direito de todos, e um dever do país!

Com afeto,

Beth Landim

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