Hoje Na Curva... "Ela não é racista. Nós somos"
Suzy 03/09/2014 16:01
  Ela não é racista. Nós somos   Uma cena não rara, infelizmente, tomou conta dos noticiários semana passada: Uma torcedora do Grêmio chamou o goleiro Aranha, do Santos, de “macaco”. Daí em diante, fez-se o caos na vida de Patrícia Moreira. Foi afastada do emprego, teve que sair de casa porque estava sendo atacada e ameaçada, apagou seus perfis em redes sociais, procurou um advogado para tentar sair dessa situação que parece não ter fim. O advogado anunciou que ela quer pedir desculpas ao goleiro e ponderou, afirmando que ela não é racista: “Ela quer fazer um pedido de desculpas ao Aranha. Ela também quer pedir desculpas ao Grêmio e aos torcedores pelo xingamento, que foi infeliz, num momento de pressão do jogo. Aquilo aconteceu no calor do jogo, ela não é uma pessoa racista” - disse Guilherme Abrão, antes de acrescentar: “Ela é de uma família humilde, então tem amigos negros, que jamais tiverem qualquer tipo de problema com ela. Infelizmente, no futebol, que a gente sabe que prevalece muito mais a paixão, ela fez um xingamento errado e foi flagrada”. Amigos negros também partiram em defesa de Patrícia, alegando que ela se deixou levar “pela emoção do momento” “-Ela é gente boa, vai em roda de samba com preto, gosta de preto, fica com preto. Foi na emoção do momento, ela não é racista. Ela é louca pelo Grêmio, vai em todos os jogos, é sócia”, relatou um deles. Ah, bom. A humanidade está salva. É pobre, então conhece negros, ela vai a coisas de negros – roda de samba, anda com preto, até fica (para quem ainda não sabe, ficar é dar uns pegas, dar umazinha, qualquer coisa no calor do momento ligado a sexo sem compromisso), então a moça até admira sexualmente um preto. Realmente, ela não é racista. Racistas são aqueles que acham nem o véu da coletividade pode ser justificativa para ofender o outro por sua cor ou sua opção sexual. Racista deve ser Aranha, por se ofender com tão pouco. Se estivesse no lugar dele, numa roda de samba ou dando sopa por aí, quem sabe nada disso tivesse acontecido. Racista é quem criou lei para punir isso, afinal de contas, uma palavra no calor do momento não significa que a pessoa é racista. Significa que... será que significa o que mesmo? Racistas somos nós, negros que ainda somos obrigados a ouvir essas e outras gracinhas, cinco gerações depois da Abolição. A desculpa da torcedora gremista pode até vir, mas ficará sempre a dúvida: Se não tivesse sido flagrada teria mudado de idéia? Se ela agiu sobre o véu da coletividade, quando deixamos de ser nós mesmos e passamos a ser um todo, pediria desculpas publicamente passada a emoção momentânea? Sob tal véu, negros gremistas também xingaram o goleiro do Santos. São racistas? Se os chamar de idiotas os estarei ofendendo? Afirmo aqui que estou agindo sob o véu da coletividade de mais de 100 milhões de negros no Brasil. Ah, mas não foi somente esse episódio. Também semana passada, um casal resolveu publicar uma foto em rede social. Dois jovens, dois apaixonados que encontramos todos os dias nas ruas, nas escolas, em nossas casas: um branco com a namorada negra. Bastou: A quantidade e o absurdo da ofensas foi de tal ordem que a menina ficou dias chorando sem parar. A polícia está investigando e chegou aos autores: jovens também, entre 15 e 20 anos. E faço votos que, em um país a lei é cumprida ou interpretada, ela seja rigorosa e exemplarmente cumprida. Chega de brincadeira sem graça. Chega de passividade. O racismo não vai acabar nunca, assim como diversos outros preconceitos que levamos conosco. Todos nós somos um pouco racistas, um pouco homofóbicos, muito intransigentes. Mas a diferença está em manter para si sua opinião e não ofender ou agredir o outro para fazer vale-la. A excelente Flávia Oliveira, de O Globo, publicou um também excelente artigo sobre o assunto, sob o título “Moços, superem”, que aconselho a leitura. Adianto a primeira e a última frase, perfeitas: “Nada mais triste para quem cruzou a fronteira da maturidade do que mirar, na outra margem, jovens com ideias atrasadas” e “Passou da hora de enterrar a herança nefasta, injusta e burra. E abrir caminho para a chegada do dia em que, ao mirar a margem oposta, os adultos, enfim, enxergarão um futuro melhor”. Faço minhas as palavras de Flávia: Moços, superem.   .

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    Suzy Monteiro

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