A menina das maçãs... Parte II
bethlandim 08/09/2014 10:04

No artigo da semana anterior iniciei esta emocionante história que se passou em agosto de 1942 em Piotrkow, na Polônia. Nos fala das famílias moradoras no gueto judeu de Piotrkow que tinham sido levadas para uma praça, dolorosamente separadas e em seguida removidas para os campos de concentração. Esta família em particular tinha acabado de perder o pai de tifo. Foram encaminhados para a praça, naquela dolorosa e fria manhã, a mãe e quatro filhos.

Nos conta Herman, o menor dos irmãos, com apenas 11 anos de idade, que tornou-se o número 94938 em seu trabalho no campo Schlieben que certo dia aproximando-se da cerca que delimitava o campo arriscou-se e foi ao encontro de uma menina que lhe ofereceu uma maçã. Esse fato se repetiu diariamente por 7 meses, até que eles foram transportados em um vagão de carvão para o campo de Theresiensatdt,  na Tchecoeslováquia. Neste dia ele pediu que a menina das maçãs não voltasse mais, pois estariam partindo. Após 3 meses neste campo, já escalado para morrer na câmara de gás em maio de 1945, finalmente as tropas russas liberaram o campo e os portões foram abertos concedendo a liberdade a Herman e aos seus irmãos...

 

 

 

 

 

 

 

Passados os anos, nos conta ele...

“Eventualmente, encaminhei-me à Inglaterra, onde fui assistido pela Caridade Judaica. Fui colocado em um abrigo com outros meninos que sobreviveram ao Holocausto e treinado em Eletrônica. Depois fui para os Estados Unidos,  para onde meu irmão Sam já havia se mudado. Servi no Exército durante a Guerra da Coréia, e retornei a Nova Iorque, após dois anos. Por volta de agosto de 1957, abri minha própria loja de consertos eletrônicos. Estava começando a estabelecer-me. Um dia, meu amigo Sid, que eu conhecia da Inglaterra, me telefonou. "Tenho um encontro. Ela tem uma amiga polonesa. Vamos sair juntos!". Um encontro às cegas? Não, isso não era para mim! Mas Sid continuou insistindo e, poucos dias depois, nos dirigimos ao Bronx para buscar a pessoa  com quem marcara encontro e a sua amiga Roma. Tenho que admitir: para um encontro às cegas, não foi tão ruim.

Roma era enfermeira em um hospital do Bronx. Era gentil e esperta. Bonita, também, com cabelos castanhos cacheados e olhos verdes amendoados que faiscavam com vida. Nós quatro fomos até Coney Island. Roma era uma pessoa com quem era fácil falar e ótima companhia. Descobri que ela era igualmente cautelosa com encontros às cegas. Nós dois estávamos apenas fazendo um favor aos nossos amigos. Demos um passeio na beira da praia, gozando a brisa salgada do Atlântico e depois jantamos perto da margem. Não poderia me lembrar de ter tido momentos melhores. Voltamos ao carro do Sid, com Roma e eu dividindo o assento traseiro. Como judeus europeus que haviam sobrevivido à guerra, sabíamos que muita coisa deixou de ser dita entre nós. Ela puxou o assunto, perguntando delicadamente: "Onde você estava durante a guerra?" "Nos campos de concentração", eu disse. As terríveis memórias ainda vívidas, a irreparável perda. Tentei esquecer. Mas jamais se pode esquecer. Ela concordou, dizendo: "Minha família se escondeu em uma fazenda na Alemanha, não longe de Berlim. Meu pai conhecia um padre, e ele nos deu papéis arianos." Imaginei como ela deve ter sofrido também, tendo o medo como constante  companhia. Mesmo assim, aqui estávamos, ambos sobreviventes, em um mundo novo.

"Havia um campo perto da fazenda", Roma continuou. "Eu via um menino lá e lhe jogava maçãs todos os dias." Que extraordinária coincidência, que ela tivesse ajudado algum outro menino. "Como ele era?", perguntei. "Ele era alto, magro e faminto. Devo tê-lo visto todos os dias, durante  seis meses." Meu coração estava aos pulos! Não podia acreditar! Isso não podia ser! "Ele lhe disse, um dia, para você não voltar, por que ele estava indo  embora de Schlieben?". Roma me olhou estupefata. "Sim!".  "Era eu!". Eu estava para explodir de alegria e susto, inundado de emoções. Não podia acreditar! Meu anjo!  "Não vou deixar você partir", disse a Roma. E, na traseira do carro, nesse encontro às cegas, pedi-a em casamento. Não queria esperar. "Você está louco!", ela disse. Mas convidou-me para conhecer seus pais no jantar do Shabbat da semana  seguinte. Havia tanto que eu ansiava descobrir sobre Roma, mas as coisas mais importantes eu sempre soube: sua firmeza, sua bondade. Por muitos meses, nas piores circunstâncias, ela veio até a cerca e me trouxe esperança. Não que eu a tivesse encontrado de novo, eu  jamais a havia deixado partir. Naquele dia, ela disse sim. E eu mantive a minha palavra. Após quase 50 anos de casamento, dois filhos e três netos, eu jamais a  deixara partir.”

Esta é a história da vida de Herman Rosenblat, atualmente com 75 anos e morador de Miami Beach na Florida. Faz-nos repensar a nossa trajetória. Que possamos deixar vir à tona todas as emoções que ela nos traz e valorarmos o contexto da nossa vida de forma positiva e renovada. É sempre tempo de manter dentro de nós o que nunca deixamos partir.

Com afeto,

Beth Landim

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Elizabeth Landim

    [email protected]

    BLOGS - MAIS LIDAS