Fratura por estresse em corredores
Marcos Almeida 02/06/2014 12:27

O osso é um tecido rígido, mas suporta cargas, sofrendo pequenas deformidades elásticas para evitar fissuras. É como o comportamento de uma ponte quando passa um caminhão. Todos nós já percebemos que a ponte "balança", pois se ela fosse completamente rígida, seria mais fácil de ocorrer rachaduras, portanto esta deformação absorve as forças que atuam sobre ela.

Para se ter uma idéia da carga que nossos ossos suportam, na região dos quadris, por exemplo, caminhar produz uma carga 2,75 vezes o peso corporal, correr produz 5 vezes e saltar supera 10 vezes o peso do corpo. Com toda essa carga, o osso inevitavelmente sofre microlesões, mas possui grande capacidade de recuperação, antes que alguma lesão séria seja instalada.

A adaptação óssea ocorre em resposta ao número, frequência e intensidade da carga aplicada, dentre outros. Essa capacidade de recuperação é possível devido à constante remodelação óssea, isto é, renovação celular e está diretamente ligada a fatores hormonais e nutricionais.

É importante salientar que os ossos não suportam essas cargas sozinhos, já que elas também se dissipam em outras estruturas, como músculos, tendões e ligamentos, que para tal devem estar em condições adequadas.

Mas se o osso tem essa capacidade de recuperação, porque a fratura acontece? A fratura por estresse pode ocorrer mesmo que toda estrutura óssea esteja normal, sem nenhuma lesão prévia.

A recuperação do osso é possível apenas se as cargas aplicadas sobre ele não forem intensas demais, se a repetição/freqüência não for excessiva e principalmente se houver o intervalo necessário nas atividades, para que o tecido ósseo tenha tempo de se recuperar.

Além disso, a fratura por estresse pode ser resultado de uma série de eventos:

1) Carga e estresse excessivos: a maioria das fraturas por estresse surge quando há o aumento da carga e/ou freqüência dos exercícios em excesso ou no final de temporada de competições, quando o atleta passou por longos períodos de competições intensas sem repouso.

2) Fadiga muscular: os músculos também suportam grande parte destas cargas que envolvem estruturas ósseas, funcionado como um fator de proteção externo. E por serem estruturas menos rígidas, essas forças dissipam com mais facilidade, mas quando estão fadigados não realizam esse processo com tanta eficiência, deixando a tarefa para os ossos.

3) Postura inadequada: faz com que os músculos trabalhem em excesso para manter o bom equilíbrio muscular, aumentado a fadiga. Além disso, pode causar alterações na articulação, aumentando o estresse sobre determinados pontos focais, sem a adequada distribuição das cargas.

4) Terrenos muito duros e irregulares: o concreto devolve mais rapidamente a energia de impacto gerada com a descarga de peso do corpo sobre o solo, aumentando consideravelmente o impacto e exigindo muito mais da musculatura. Terrenos irregulares exigem constante mudança do ângulo de apoio dos pés/tornozelos.

5) Nível baixo de condicionamento físico que não suporta a carga de atividade que está sendo imposta.

6) Idade, distúrbios hormonais, desequilíbrios alimentares, osteoporose.

7) Diferença de comprimento de membros inferiores, alterações importante da marcha e corrida, reabilitação inadequada de lesões pregressas.

ONDE OCORRE? Em corredores, as fraturas por estresse acontecem em membros inferiores nas seguintes proporções: 34% na tíbia, 24% na região distal da fíbula distal (próximo ao tornozelo), 18% em diáfise do 2º e 3º metatarso, 14% em colo e diáfise do fêmur, 6% em pelve e 4% em outros ossos. Os corredores de velocidade apresentam um predomínio de fraturas de estresse de tíbia e fíbula.

QUAIS SÃO OS SINTOMAS? A dor, no início, aparece apenas após a atividade física. Conforme piora o quadro, a dor passa a ser percebida no meio das corridas de longa distância, e finalmente começa a aparecer no início da corrida, impossibilitando a atividade. Portanto, a dor vai progressivamente limitando, até impossibilitar totalmente a prática do esporte.

Dependendo da localização, um edema (inchaço) pode ser observado; é característica também dor à palpação, com mais intensidade, no local da fratura.

Os sintomas podem aparecer apenas de 4 a 5 semanas após o aumento da intensidade e/ou freqüência do treinamento, por isso é importante ficar atento.

COMO DIAGNOSTICAR? O mais importante para o diagnóstico é a história clínica e o exame clínico (palpação e alguns testes específicos feitos pelo profissional de saúde).

Exames de imagem também podem ser solicitados, a critério do médico. No raio-x, os sinais da fratura costuma aparecer apenas após 3 semanas do início dos sintomas, mas pode-se verificar pequenos sinais já da consolidação óssea ou não evidenciar nada.

Outros exames habitualmente solicitados são: cintilografia óssea, ressonância magnética ou tomografia computadorizada.

TRATAMENTO. A primeira fase é a mais importante do tratamento. O repouso e a privação do esporte é fundamental para a recuperação óssea.

Dependendo do local e da gravidade da fratura, pode-se realizar todas as atividades diárias, como andar, subir e descer escadas, dirigir, sentar normalmente, mas há casos em que é necessário repouso total e até mesmo o uso de órteses pneumáticas (imobilizadores infláveis). A imobilização com gesso, na grande maioria dos casos, não é utilizada.

Um trabalho multidisciplinar é fundamental para o tratamento completo, havendo casos de necessidade de correções nutricionais e hormonais, entre outros. O tratamento cirúrgico é muito raro.

FISIOTERAPIA. A fisioterapia atua já no início do tratamento, no controle da dor e do edema. Alongamentos são muito importantes e a manutenção do condicionamento cárdio-respiratório pode ser trabalhada em piscina, evitando cargas excessivas e estresse no membro afetado.

A eletroestimulação também é muito utilizada na fisioterapia com excelentes resultados, gerando contrações musculares através de estímulos elétricos. Os exercícios isométricos (contrações musculares realizadas sem a movimentação do membro) são ótimos aliados para a manutenção da força e do trofismo do músculo e não causam sobrecarga.

Com o fim da queixa de dor, inicia-se um trabalho de correção da postura, das alterações musculares (fraquezas, encurtamentos) e retorno gradual ao esporte. Até que toda a atividade seja retomada é importante evitar correr em solos muito duros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS. Os profissionais da saúde conhecem muito bem a ansiedade do atleta em atingir metas, participar logo de maratonas sem ter a preocupação com seu atual condicionamento físico. Portanto, não deixe de procurar um ortopedista e realizar o tratamento fisioterapêutico, bem como realizar o acompanhamento com outros profissionais, se necessário.

A recuperação completa de lesões anteriores, a progressão lenta da intensidade da atividade, tênis e locais adequados para a prática esportiva são fundamentais na prevenção da fratura por estresse.

O mais difícil para o atleta é respeitar as fases de repouso, que são essenciais não apenas para a remodelação óssea (como vimos), mas também para o corpo como um todo. Respeite esse momento! Seu repouso hoje, o afastamento dos treinos e a não participação em uma prova vão lhe garantir muitas corridas após sua recuperação. Pense nisso!

Fonte: Revista Contra Relógio

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    Marcos Almeida

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    Marcos Almeida é assessor esportivo, especialista em Ciência da Musculação e mestre em Ciência da Motricidade Humana.

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