Des-esperar... Sempre
Mariana Luiza 22/01/2017 01:19 - Atualizado em 18/05/2020 21:22
Enquanto passavam vans, táxis e ônibus, ela esperava no fundo da terra, no fundo do poço, pelo trem do metrô, cuja estação era na contramão de sua casa e o destino longe de seu trabalho. Todas as manhãs, antes de sair, tomava sempre a mesma decisão. Nos dias de chuva, titubeava entre pegar um uber ou o ônibus cujo ponto ficava exatamente na frente do seu prédio. Mas bastava sair do elevador para mudar de ideia e seguir pelo trivial caminho mais difícil e mais longo.
Sabia que todas as manhãs ele pegava o trem no Flamengo, onde morava, e descia na Cinelândia, onde trabalhava em um escritório de advocacia. No final da tarde fazia o caminho inverso. Ele morava na Marquês de Abrantes, coladinho no metrô.
Ela trabalhava na Glória e morava uma estação antes dele, mas descia na Cinelândia esperando um dia esbarrar sem querer querendo, assim por acaso, para retomar uma conversa que ficou pela metade há seis meses.
Eles tinham bebido horrores numa noitada. Esbarraram-se numa festa na Lapa e ali mesmo ficaram aos beijos e amassos a noite toda. Amanheceram numa pensão para estudantes a poucos metros do bar onde tudo começou. Ele não se lembrava de como havia parado ali. Ela tinha vaga memória de terem usado camisinha. Tomaram café num pé sujo. Média com pão e margarina. Compraram uma cartela de pílula do dia seguinte e trocaram telefones. Conversaram por mensagens algumas vezes. Ele começou a seguí-la no Instagram e no Facebook. Curtiu as fotos do carnaval em que ela se fantasiou de Madonna e aceitou a solicitação de amizade da melhor amiga dela. Ela também marcou presença virtual. Comentou fotos, curtiu posts e achou que estavam caminhando para um relacionamento. Ele também pensou o mesmo, mas por precaução e medo de nomear o que estava bom sem nome, resolveu nunca tocar no assunto. Algumas vezes se sentia confortável de estar numa relação leve, destitulada. Outras vezes, não sabia como agir e media palavras evitando despertar na companheira a suspeita de uma suposta menção ou convite a um compromisso.
Marcaram de ir ao cinema. Viram alguns filmes do Festival do Rio. Promoveram jantares na casa de amigos. Visitaram a vernissage da irmã dela. Decidiram passar um domingo inteiro na prainha, e ele, excepcionalmente, não comeu a macarronada dominical da avó Alzira. Ela já conhecia parte de sua família. Ele, quase todos os amigos dela. Se viam mais de três vezes na semana. Se falavam diariamente. Mas nunca conversaram sobre o relacionamento e depois de alguns encontros sem conversa e sem acordos eles sumiram.
Não se sabe quem se foi primeiro. Mas nem um, nem outro tomou a providência de procurar por aquele que supostamente também esperava. E o tempo passou sem piedade dos amantes orgulhosos e sonhadores sem atitude.
Agora, depois de seis meses, a ela só restava a espera por um encontro fortuito no metrô enquanto ele levanta 40 minutos mais cedo para pegar o ônibus que passa em frente ao prédio dela, descer na Glória e caminhar 15 minutos até o escritório de advocacia. Tudo isso, na esperança de esbarrar por ela quando atravessar a catraca.
 
 

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