João Vicente: Patrícia blindada e Garotinho está preocupado
27/04/2014 11:04

Alexandre Bastos

O ex-superintendente da Fundação Trianon, João Vicente Alvarenga, que na última semana disparou contra a atual presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), Patrícia Cordeiro, alegando existir uma mistura entre “público e privado”, voltou a revelar alguns mistérios da “caixa-preta” cultural. Em entrevista à Folha, ele aponta uma blindagem estratégica e diz que “existe uma cumplicidade muito estreita entre o Executivo Municipal, comandado por Rosinha Garotinho, e Patrícia Cordeiro”. De acordo com João Vicente, um grupo ganhou muita força com a construção de um “megaestúdio”. Ele afirma que os recursos para a construção teriam surgido após  o “favorecimento de artistas e bandas prestigiadíssimas pela Prefeitura e pela FCJOL”.  Sobre o silêncio do deputado federal Anthony Garotinho (PR) diante das denúncias, João Vicente diz que o parlamentar chegou a se mostrar preocupado com a Fundação comandada por Patrícia.

Folha da Manhã — Quatro meses após deixar o governo Rosinha (PR) você resolveu entrar na discussão sobre a política cultural do município e disparou forte contra a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), Patrícia Cordeiro. O que te motivou a revelar alguns segredos da “Caixa-Preta” cultural? Por que não denunciou antes?

João Vicente Alvarenga — Pontuei, num momento privilegiado, quando as atenções se voltaram para mim, a minha visão de cultura que nunca escondi e que pus em prática em vários momentos como gestor público na área da cultura. O município de Campos mudou, mas a minha opinião, não. Vivemos num município rico que pouco contribui para uma política cultural como projeto pedagógico e não somente eventos. Quanto a apontar o dedo para a presidente da FCJOL, essa atitude resultou de um conjunto de queixas e levantamento de suspeitas contra ela, partidas de vários músicos de Campos. Quando estamos dentro do processo, não temos a visão tão clara sobre os fatos que estão sob nossos olhos. Então, nesses quatro meses, em contato com esses colegas músicos, analisando e confrontando os fatos, pude tirar algumas conclusões. Que a sociedade discuta esses fatos é democrático e preventivo.

Folha — Em seu desabafo você afirmou que o dinheiro da cultura “está sendo usado para fins públicos e também privados, como por exemplo, a montagem de um mega estúdio de gravação que custou altíssimas somas e que deverá ser usado pela oligarquia dominante da democracia goytacá, nas próximas eleições”. Afinal, que estúdio é esse? Quais são as ligações entre esse suposto negócio privado e o poder pú-bico?

João Vicente — Em Campos, pelo menos, existem dois grandes estúdios. Um deles, o chamado megaestúdio, foi construído devido ao favorecimento de artistas e bandas prestigiadíssimas pela Prefeitura e pela FCJOL. Essas bandas têm um volume de contratações extraordinário que enriqueceria qualquer outra banda e artista. Mas os escolhidos foram estes que estão com muito dinheiro, permitindo até que se construísse esse estúdio com uma ajudinha a mais. Então há uma ligação muito forte, pode ser de parentesco, entre o público e o privado.
 
Folha — Você também afirmou que, entre janeiro e maio de 2013, alguns shows teriam que ser contratados pela extinta Fundação Municipal Trianon e não pela FCJOL. Na sua opinião, isso pode caracterizar um ato ilícito. Por quê?

João Vicente — Até então as duas Fundações tinham, de certo modo, objetivos e projetos diferenciados. Uma dessas diferenças era que as contratações de bandas e artistas para apresentações em festas populares em distritos e em inaugurações de obras da PMCG, essas contratações elas deveriam de ser feitas pela FCJOL. No entanto, algumas deveriam sair pela Fundação Trianon, completamente incompatível com o seu perfil e isso poderia me causar constrangimentos legais.
 
Folha — No ano passado, quando você ainda estava na superintendência da Fundação Trianon, o teatrólogo Antônio Roberto de Góes Cavalcanti, o Kapi, questionou a força de Patrícia no governo e indagou: “Quem é Patrícia, no que tange à cultura? Qual a sua experiência enquanto gestora? Quem é ela face a Orávio de Campos Soares e João Vicente?” Afinal, você tinha autonomia ou o controle estava to-do nas mãos de Patrícia? Por que nomes como Orávio e Avelino Ferreira perderam força?

João Vicente — Isso demonstra que existe uma cumplicidade muito estreita entre o Executivo Municipal e a Sra. Patrícia Cordeiro. Por muito menos de críticas, qualquer outro secretário já teria sido exonerado. Diminuir minhas atribuições e as de Orávio foi uma forma de nos isolar e destruir nosso poder de influência. Antes tínhamos mais autonomia. Por isso vejo que a extinção da Fundação Trianon e da Secre-taria de Cultura como a forma que o Executivo encontrou deu à Sra. Patrícia todo o poder de que precisava.
 
Folha — Após todas as críticas sobre a política cultural do governo Rosinha, um silêncio tem chamado à atenção de quem acompanha a repercussão política. Até agora, o sempre combatente Anthony Garotinho (PR) não teceu comentário algum. Isso deixa nítido que a força de Patrícia está ligada diretamente à prefeita Rosinha? Antes de sair você chegou a conversar com o deputado Garotinho sobre as ações culturais do governo?

João Vicente — O que acabei de falar responde essa pergunta. E eu acrescento que uma espécie de corporativismo blinda a Sra. Patrícia. Foi uma conversa muito rápida (com Garotinho) e também não seria conveniente fazer qualquer queixa contra a chefe do executivo e até mesmo contra a Sra. Patrícia. Mas percebi a sua preocupação com a FCJOL.

Folha — Em um comentário saudosista, você citou as ações culturais ue eram desenvolvidas no governo Zezé Barbosa. Quais são as diferenças entre as atividades do passado, sem os bilhões dos royalties, e as ações do presente?

João Vicente — A diferença é que naqueles tempos pensávamos a cultura como uma ferramenta capaz de fazer a diferença num contexto político, de uma ditadura militar que afetou toda a sociedade brasileira. Somando a isso, a Prefeitura não dispunha de tanto dinheiro como hoje. Mas dispunha de um poeta e jornalista, Prata Tavares, que soube fazer essa diferença. Aprendi com ele que a cultura  se monta com pequenos gestos. E entretenimento vazio, com grandes gestos, política de eventos e nada mais.

Folha — A discussão sobre o Fundo de Cultura, um sonho antigo dos artistas locais, começou quando você ainda estava no governo. No final, ficou definido que o Fundo ficaria com R$ 174 mil para todo o ano de 2014. Você participou dessa discussão sobre o Fundo?

João Vicente — Fui a algumas reuniões, mas não pude acompanhar como gostaria. A Fundação me tomava muito tempo. Mas não há dúvida de que é escárnio esse valor compor um Fundo de Cultura num município tão rico. Veja, em 2012, o investimento no Trianon foi da ordem de 7 a 8 milhões de reais. Por isso, podemos afirmar que o gasto com eventos em Campos, por ano, gira em torno dos R$ 40 a R$ 50 milhões. A Prefeitura apoia muito pouco. O dinheiro público pode sair de várias maneiras e chegar aos artistas. A renúncia fiscal é uma delas. Quando fui Presidente da FCJOL, em 1997/1998, trabalhei com instrumento poderoso e democrático de distribuição de recursos financeiros aos artistas: A Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Muitos projetos foram realizados, muitos artistas e instituições contemplados.

Folha — Em julho do ano passado o diretor do grupo de teatro Oito de Paus, Luís Felipe Perinei, revelou uma conversa com você sobre o cancelamento da peça “Bonitinha, mas ordinária”, de Nelson Rodrigues. Ao justificar o cancelamento, você teria dito que a nova comandante da Cultura (Patrícia) achou que a peça poderia ofender a prefeita Rosinha. Afinal, o que houve neste epi-sódio? Foi isso que desgastou a sua relação com o grupo?

João Vicente — Não vou dizer que Campos seja uma republiqueta fundamentalista. Chega perto. O ritmo de conversões entre o secretariado da Chefe do Executivo é bastante revelador nesse sentido. Então, quer queiramos ou não, a autocensura bate inconscientemente. Não houve censura formal, mas uma sugestão velada sobre a inconveniência de um texto de Nelson Rodrigues nos palcos do Trianon. O episódio afetou drasticamente a Chefe do Executivo. Houve, sim, um grande desgaste.
 
Folha — Você viu o grupo que está no poder surgir no teatro com o sonho de mudar Campos. Hoje, 25 anos depois do “Muda Campos”, o que mudou? E o futuro, você vê possibilidade de renovação dos quatros políticos?

João Vicente — O movimento “Muda Campos” surgiu prometendo derrubar grupos políticos que eram as lideranças de nosso município. O “Muda Campos” fazia coro com um rasil que pedia abertura política, a saída da ditadura militar. Esse era o sonho do Brasil, do povo brasileiro. Em cada município, em cada região desse país, existia uma liderança na busca de uma oportunidade de entrar e participar da vida política do país, via partidos políticos. Nem todos que falavam de mudança falavam em nome de um projeto sério, com mudanças estruturais. O nosso movimento, liderado por Garotinho, não deixou de ser uma proposta jovem, inovadora, mas, que se perdeu para a busca obsessiva pelo poder. Por isso não haverá renovação política tão cedo.
 
Folha — Hoje é o último dia do “Campos Folia”, o Carnaval fora de época organizado pelo governo municipal. Ainda no comando da Fundação Trianon, você chegou a dizer que “o Carnaval de Campos acabou”. O que te fez chegar a essa conclusão?

João Vicente — O Carnaval em Campos não tem organicidade. A luta dos carnavalescos hoje é diferente da luta de há 40 anos que era a de querer fortalecer a sua comunidade para trabalhar e ter autonomia financeira para botar sua escola, seu bloco na Avenida. Eram carnavais e desfiles belíssimos e sem nenhum subsídio. Nesse tempo não existiam os shows nas praias e a facilidade do povo para se deslocar para esses balneários. O Carnaval em Campos ficou esvaziado, sem público, sem organicidade, dependente do poder público. Isso que chamam de Campos Folia é uma tentativa desesperada de dizer que em Campos tem Carnaval. Não tem. Com todo o respeito aos meus amigos carnavalescos, eu digo: o Carnaval está morto, mas ainda não apareceu o prefeito para emitir a certidão de óbito.



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