Divina lua
Mariana Luiza 24/01/2018 12:59 - Atualizado em 15/05/2020 18:12
Eu tomei mamadeira até os meus 9 anos. Culpa da minha avó que fazia uma deliciosa vitamina de mamão, banana e maçã. Ela me acordava, todas as manhãs, trazendo nas mãos aquele desjejum delicioso. O néctar dos deuses para um digno despertar pueril. A mistura das três frutas é um dos sabores da minha infância e uma das muitas saudades que sinto de Dona Diva. O ritual da mamadeira na cama foi repetido diariamente por nove anos e não me recordo do motivo, nem do dia que parei de tomar mamadeira, mas posso garantir que não foi por vontade da minha avó. Foi minha avó Diva quem me ensinou a gostar da lua. A fazer pedidos e chamar por ela como lobos nas noites mais brancas. A gente ficava debruçada na grade da janela de um terceiro andar num apartamento na Tijuca, chamando, chamando... Pedindo pra lua nos levar pra bem perto dela. Foi minha avó quem me ensinou a amar os brigadeiros. E desde a adolescência, me fazia de presente de aniversário a minha idade multiplicada por dez em quantidade de docinhos. Parou lá pelos vinte e poucos anos quando descobriu que eu comia tudo sozinha, sem nem ao menos, dividir com meu irmão. Este ano seriam 330 brigadeiros e uma provável e descomunal dor de barriga. Seriam. Hoje faz quinze dias que minha avó morreu com o desejo de não viver. “Pede pra Mariana rezar pra mim porque oração de criança tem mais força.” Disse ela pra minha mãe numa das poucas e últimas lúcidas frases.
Quando eu ganhei meu primeiro prêmio de literatura, mais ou menos na mesma época em que ela parou de me fazer brigadeiros, confessei a minha avó que sonhava em ser escritora. Ela prontamente me recomendou que lesse o livro Vidas Esparsas, que acredito ter sido escrito por Maria Amália, a quem sempre se referia como autora favorita. Quando minha avó ficou de cama por conta de um fêmur fraturado, voltou a perguntar se eu havia lido o tal livro e me disse que quando eu tivesse dificuldade para escrever era só pedir à Maria Amália que iluminasse meus pensamentos. Eu menti dizendo que havia lido o livro. E menti outra vez dizendo que tinha adorado a leitura. Mas fui obediente quando ela me pediu uma oração que a levasse até a lua. Não pedi a deus. Nem a Maria Amália, como minha avó havia me pedido. Pedi a Lua e a sua luz branca roubada do sol, que atendesse ao desejo da minha avó de ter sua luz roubada da terra. 

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