O pior cego é aquele que não quer ver...
bethlandim 01/04/2014 12:39

Um dia, cerca de dois séculos atrás, um menino estava na oficina do pai, na cidade de Coupvray, perto de Paris. Louis Braille tinha apenas três anos e gostava de ver o pai fazer selas e arreios. Quando crescesse, queria ser igual ao pai.

O Sr. Braille trabalhava com afinco, cortando o couro com mão segura e olhar crítico. Levou uma peça de couro à luz e examinou com atenção para saber que faca usar. Largando a peça, atravessou a oficina para pegar a ferramenta adequada. O pequeno Louis foi à mesa de trabalho, pegou a sovela e começou a bater numa tira de couro. Batia com força, tentando furar o couro duro, e seus dedinhos não tiveram firmeza para segurar a sovela.

O instrumento pontudo escapou-lhe da mão e atingiu o olho esquerdo. O Sr. Braille ouviu o grito e correu para o menino, mas era tarde demais. O mal estava feito. Horrorizados, os pais correram ao médico, na esperança de salvar a vista da criança, mas o ferimento era muito grave. A tragédia se completou quando a infecção atingiu o outro olho. Em pouco tempo, o menino não enxergava mais. As coisas eram diferentes na cidade de Couvpray, onde todos cuidavam do pequeno Louis.

Ao ouvirem a batida da bengalinha, interrompiam o que estavam fazendo para ajudá-lo a se locomover pela cidade. Aprendeu a ajudar o pai na oficina, trazendo ferramentas e peças de couro. Ia à escola com os amigos e todos se admiravam da facilidade com que aprendia e memorizava as lições, mas na verdade não estava feliz com os estudos, pois queria ler e escrever. Um dia o professor falou com Louis sobre uma escola com livros especiais para cegos em Paris. Louis mal pôde acreditar.

Quando tinha dez anos viajou com o pai para Paris e se matriculou no Instituto Nacional para Crianças Cegas. Logo ao chegar, levou aos professores a questão que ardiam em sua mente. Soube que a escola experimentava novas maneiras de ensinar os cegos a ler. O fundador tinha mandado imprimir livros com letras grandes em relevo. Os estudantes cegos sentiam pelo tato as formas das letras e aprendiam as palavras e frases. Louis logo descobriu as limitações do método. As letras eram grandes demais, os livros muito pesados, o processo de passar os dedos sobre as letras era demorado e a leitura tomava muito tempo.

Museu do Braile em Coupvray

Em pouco tempo Louis tinha lido toda a biblioteca. Apesar da decepção com a lerdeza do método, Louis estudava muito. Adorava música, e tornou-se ótimo estudante de piano e violoncelo. Ele queria  insistentemente aprender a ler e escrever. Foi então que ouviu falar de um capitão do exército, chamado Charles Barbier, que havia desenvolvido um método para ler mensagens no escuro. Viu imediatamente as possibilidades dessa idéia. Se um soldado podia ler e escrever no escuro, os cegos também podiam. Procurou o capitão Barbier, que demonstrou o sistema com a maior boa vontade. Fez uma série de furinhos em uma folha de papel, com um furador. Virado a folha, mostrou os pequenos relevos dos furinhos no outro lado do papel e explicou como as combinações de pontos e traços formavam palavras e frases. Louis voltou ao instituto e começou a trabalhar.

Noite após noite, mês após mês, trabalhou no sistema de Barbier, fazendo adaptações e aperfeiçoamentos. Sabia que a idéia era fundamental, mas o código de traços e pontos precisava ser mais trabalhado para ter real utilidade para os cegos. Os diretores do instituto não aprovaram a tentativa de mudança. Tinham gastado uma pequena fortuna na impressão dos livros com letras em relevo e não viam motivo para trocar por um sistema baseado em pontinhos. Não aprovavam os esforços de Louis. Quando fez dezessete anos, Louis tornou-se professor do instituto. De dia ensinava a ler pelo método de letras grandes, e à noite continuava a aperfeiçoar o novo sistema. À exceção da música, dedicava todas as horas livres à pesquisa, confiante no sucesso.

Em 1829, aos vinte anos de idade, Louis chegou a um alfabeto legível com combinações variadas de um a seis pontos. O método Braille estava pronto. Louis começou a copiar livros e logo mais e mais cegos tomavam conhecimento do método. Louis começou a receber cartas de todas as partes do mundo pedindo informações sobre a invenção. No entanto, infelizmente, muitos não reconheciam a importância do sistema de Braille. Mas ele continuava a aprimorar e a divulgar incessantemente a sua invenção. Ao fim de tantos dias e noites de trabalho incessante, sua saúde começou a dar sinais de fraqueza, e ele temia que a chance de os cegos aprenderem a escrever pelo seu método morresse com ele, entretanto, a ideia terminou por encontrar aceitação.

No fim da vida de Louis diversas cidades da Europa já reconheciam a importância do método Braille e cada vez maior número de cegos adotava os pontinhos em relevo. Era a luz que despontava. Semanas antes de morrer, no leito do hospital, Louis disse a um amigo: “– Oh, mistério insondável dos corações humanos! Tenho certeza de que minha missão na terra terminou”. Morreu em 1852, dois dias depois de completar quarenta e três anos. Nos anos seguintes à morte de Braille, o método se espalhou pelo mundo e finalmente se tornou aceito como o método oficial da leitura e escrita para os cegos. Graças a um menino que dedicou sua vida a enriquecer a vida do próximo, os livros puderam fazer parte do universo dos cegos.

O pior cego é aquele que não quer ver.

Com afeto,

Beth Landim

 

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