Nosso muro está baixo
Disse o poeta Eduardo Alves da Costa, de Niterói, no poema intitulado “No caminho com Maiakóvski”: [...] Na primeira noite eles se aproximam/e roubam uma flor/do nosso jardim./E não dizemos nada./Na segunda noite, já não se escondem;/pisam as flores,/matam nosso cão,/e não dizemos nada./Até que um dia,/o mais frágil deles/entra sozinho em nossa casa,/rouba-nos a luz, e,/conhecendo nosso medo,/arranca-nos a voz da garganta./E já não podemos dizer nada.[...]
Pois é, todo mundo quer nos tomar alguma coisa. Há dois anos foram os royalties do petróleo, na mão grande, não respeitando contratos firmados, nem tampouco a Constituição (ainda não estamos definitivamente livres do assalto). Bem antes, também sobre a mesma matéria dos royalties, levamos a primeira garfada: impuseram-nos a cobrança do ICMS no estado final do consumo e não no da origem, no estado produtor.
Agora vem o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, querer captar água de um rio federal que é interestadual, para despejá-la no sistema Cantareira, reservatório responsável pelo abastecimento da grande São Paulo e que atravessa problemas.
Há dois dias, o governador esteve com a presidente Dilma. Foram, então, convocados à reunião, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira e dirigentes da ANA (Agência Nacional de Águas) a quem cabe formalmente autorizar a captação.
Óbvio que o rio é o Paraíba do Sul garantidor do abastecimento de cidades paulistas – do Vale do Paraíba – e em nosso estado, da capital e de outras cidades, incluindo a nossa Campos dos Goytacazes, em um total de 10 milhões de pessoas.
O projeto paulista é antigo, sempre enfrentou a resistência dos técnicos do Rio de Janeiro, pela simples razão de que abasteceria a grande São Paulo e iria nos desabastecer.
Outro problema é que ao diminuir, ainda mais, o volume da água do rio, aumentará a concentração de resíduos tóxicos despejados ao longo do seu curso por indústrias , o que fatalmente piorará, em muito, a qualidade da água em nossas torneiras.
Os menos jovens lembram-se da catástrofe da Paraibuna de Metais, em 1982. Despejou de Minas no rio Pomba, afluente do Paraíba, enorme quantidade de resíduos tóxicos e ficamos quase por um mês só usando água mineral.
É preciso dar um basta nas pretensões dos amigos do alheio. Este tem que ser dado através dos nossos deputados estaduais e federais, senadores e do governo do estado. A questão não será resolvida na argumentação e no bom senso, sim na política. Depende da firme atuação dos nossos representantes com mandato.
Sem dúvida o nosso muro está baixo e todos se atrevem a nos invadir. Será que isto acontece devido à estatura de nossos políticos? De qualquer maneira não podemos ficar calados, senão, como disse o poeta, a nossa voz virão roubar, “E já não podemos dizer nada”.
Makhoul Moussallem
Médico conselheiro do CREMERJ e CFM
Artigo publicado hoje, 21/03, no jornal Folha da Manhã