Milionária política de shows
15/02/2014 14:02

Alvo de polêmicas constantes, os altos valores empregados pela prefeitura de Campos na realização de shows voltam ao centro do debate cultural. Após gerar críticas quando do anúncio da verba de que disporá o Fundo Municipal de Cultura em 2014, o assunto mobiliza novamente a classe artística e cultural da cidade, depois de a prefeita Rosinha Garotinho, em uma tentativa de desviar o foco da discussão, sugerir, durante reunião organizada pelo deputado estadual Geraldo Pudim, no dia último dia 10, a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os gastos da gestão de Alexandre Mocaiber.

Com suas contas blindadas pela bancada governista — a única forma de acompanhar os gastos da prefeitura com shows é através do Portal da Transparência, em que não constam valores totais, que incluam os gastos com hospedagem, buffet, camarim etc. —, Rosinha destinou ao Fundo Municipal de Cultura R$ 176 mil, de um orçamento de R$ 2,5 bilhões. O valor, que deve ser usado em ações durante todo o ano, é menor do que o cachê pago por um único show de bandas como Jammil e uma Noites, responsável pelo show do Réveillon de 2013, em Farol de São Thomé, que custou R$ 193 mil.

Na última quarta-feira (12), o vereador Paulo Hirano, líder governista na Câmara, negou que haverá uma CPI para investigar os shows nos governos municipais anteriores, conforme indicado pela chefe do Executivo, mas a pergunta permanece no ar: o dinheiro do município vem sendo empregado de maneira a desenvolver a cultura local? Confira o que pensam aqueles que militam diretamente na área.

Cristiano Pluhar, que mora em Campos desde 2009, já trabalhou no Arquivo Público e ajudou na fundação do Museu Histórico de Campos, fala sobre o Fundo de Cultura e o atual cenário da cultura na cidade. Faz críticas ao Museu e à restauração no Chafariz Belga, instalado na praça das Quatro Jornadas. Comenta, também, sobre o Fundo Municipal de Cultura.

— Não tem explicação esse descaso com a cultura de Campos e com o dinheiro destinado ao Fundo de Cultura. A verba destinada só mostra o tamanho do descaso. É um total abandono. A prefeita fala em CPI, mas só quer saber de investigar o passado. Apesar de que, nem CPI vai ter mais. É tão clichê chutar cachorro morto e olhar para o umbigo dos outros — declara Pluhar.

— O Arquivo Público está sem receber investimentos há não sei quantos anos. O Museu Olavo Cardoso está fechado, ou melhor, em reformas. Sem falar no Teatro de Bolso, esse tem uma placa de reforma que daqui a pouco faz aniversário. O Museu de Campos, esse serve para fazer grandes espetáculos. O Museu não tem seu devido valor, é um lugar bonito para apresentar, mas seu acervo ainda é fraco. E o Chafariz, viu como está? Fizeram uma coisa linda se tornar brega, tem um chafariz dentro do outro. Sem falar nas águas dançantes, que não têm sincronia alguma com a música. Algo que é bonito não precisa enfeitar mais, fica feio se mexer — diz o professor de História e escritor.

Aristides Artur Soffiati defende a criação de um órgão que possa fazer a restauração dos prédios na cidade.

— A restauração é feita pelos proprietários, mas o governo pode ajudar. Seria importante a criação de um órgão para fazer a restauração dos prédios antigos. Não temos órgão executor, Inepac. Quem que executa o que o Coopam decidiu? A cultura de Campos está faltando um pé. É a cultura saci pererê — destaca e diz mais: — É ridícula a verba destinada para o Fundo de Cultura. Claro que dinheiro não é tudo. Mas R$ 176 mil destinados ao Fundo só mostram o desinteresse do governo. É preciso uma maior organização. O município gasta muito com shows, mas shows ficam à parte da cultura. A cultura mesmo anda mal, com uma perna só. Sem falam na precariedade da educação que estamos em último lugar no Estado — destaca o professor, ambientalista, escritor e poeta Soffiati.

O diretor de teatro e poeta Antônio Roberto Kapi critica a centralização da cultura e diz que foi um “erro estratégico” e uma “concentração de poder”. 

— Centralizar a cultura foi um erro, é uma centralização de poder. Não é uma questão pessoal, mas lembram de o que fizeram com João Vicente? E, até hoje, não se sabe por quê. Sabemos da competência dele, digo, também, em relação à Orávio de Campos. São duas pessoas competentes e que têm vivência. Quem faz arte sabe e tem uma vivência artística. Eu sei, você não precisa ser artista para ser presidente da Fundação, mas precisa ter visão – enfatiza Kapi, que fala, ainda dos shows durante o verão.

— Uma coisa é lazer, outra coisa é cultura. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Essa “cultura” já vem de outros governos, em que promover shows é promover cultura, mas isso é lazer e não cultura. Existem alguns eventos que são de cultura, mas são muito poucos. E digo mais, o valor destinado ao Fundo de Cultura é menor do que a quantia destinada para o pagamento de cachê de shows de Farol. Nós artistas, dependemos de ajuda. Vivemos numa situação em que “manda quem pode e obedece quem tem juízo” — fala Kapi que diz que a “prefeita precisa entender que é empregada do povo”.

O ator, poeta, escritor e produtor cultural Artur Gomes afirma que há um equívoco na maneira de enxergar a gestão cultural no município.

— Se eu não trabalhasse em outros lugares e dependesse da Prefeitura de Campos, não conseguiria sobreviver — enfatiza.
—Para a Fundação, ela está fazendo bons negócios, mas não se faz bons negócios e sim, se faz cultura. Se gasta milhões em shows superfaturados na praia Campista e quase nada para o Fundo de Cultura. Se eu parar para pensar, não teria condição de fazer nada — comenta Artur.

José Sisneiro, que é diretor teatral, dramaturgo, ator e iluminador de teatro, também acha que foi um erro centralizar a cultura e diz mais: “centralizar a cultura foi retrocesso”.

— Vivemos no processo em que existem os interessados e os interesseiros. A Bolsa Família, por exemplo, é um programa interessante. Mas se for parar para pensar, serve para comprar eleitores. É mais vantagem distribuir migalha — comenta Sisneiro, que fala sobre os shows.

— É verdade que shows são necessários. Muitas pessoas não têm acesso, mas tudo que se faz, tem que ter algum resultado. O que vem depois com o show? Tem que se pensar sempre em um depois. É tudo uma questão de prioridade. Um exemplo, não é uma questão de se fazer um hospital. E sim construir o melhor hospital e adquirir os melhores equipamentos. Se a gente tem dinheiro, tem que fazer sempre o melhor.

Natália Moraes

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    BLOGS - MAIS LIDAS