Brasil ainda não tem estrutura para Lei Anticorrupção, diz especialista
José Paes 29/01/2014 14:43

O nível de estruturação das autoridades estaduais e municipais para garantir o cumprimento da nova Lei Anticorrupção, que entra em vigor nesta quarta-feira (29), é "muito próxima de zero", segundo o especialista José Compagno, sócio-líder da área de investigação de fraudes da consultoria EY.

Para ele, no entanto, existe uma série de medidas com a intenção de, ao longo do tempo, se montar uma estrutura que seja efetiva.

Em entrevista à Folha, Compagno disse que quanto mais as autoridades "apertarem o cerco", mais as empresas vão se sentir obrigadas a se preparar para responder às exigências da lei.

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Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - Qual a principal novidade que essa lei traz? José Compagno - Acho que a principal novidade é a responsabilização civil das pessoas jurídicas por atos contra a administração pública nacional e estrangeira. Não havia nenhuma lei que definisse nenhum tipo de penalizações sobre pessoas jurídicas. Outra novidade seria a definição de algumas obrigatoriedades para as pessoas jurídicas no sentido de definir normas internas que previnam práticas de corrupção.

A ausência de regulamentação pode atrapalhar a eficácia da lei? Os aspectos a serem regulamentados eu não acredito que impeçam de forma abrangente a implementação e a funcionalidade da lei. E eu até concordo com os Estados, no sentido de esperar a regulamentação, para que eventualmente algumas questões que sejam regulamentadas antes da regulamentação federal sejam contraditórias à regulamentação federal e gere ainda mais controvérsias. Mas eu não acredito que um intervalo pequeno de tempo vai prejudicar a funcionalidade da lei.

O que essa lei tem de diferente das leis anticorrupção de outros países, como os EUA e o Reino Unido? Ela é mais branda ou mais rígida? Eu acho que ela é similar. Ela coloca alguns componentes específicos adaptados à realidade brasileira. As outras leis, tanto a lei inglesa quanto a lei americana, focam bastante na questão de propina e corrupção. A lei brasileira inclui também a penalização de atos ilegais envolvendo licitações públicas, que eu entendo que é uma adaptação pertinente à realidade de negócios brasileira. A legislação brasileira não inclui sanções penais, enquanto as outras duas incluem sanções penais. A legislação americana tem uma disposição específica sobre registros contábeis, onde ela determina, em linhas gerais, que os fatos sejam contabilizados de acordo com a sua natureza. A legislação brasileira não inclui isso. E a legislação inglesa inclui não só a corrupção pública –a proibição de pagamentos de propinas nas relações entre as empresas privadas com agentes públicos–, mas também entre agentes privados.

As empresas têm procurado se adequar às novas normas? Sim. Existe um movimento bastante grande de organizações tentando conhecer um pouco melhor o que é a cultura de "compliance", o que é uma prática de "compliance", como ela deve ser implementada, como ela deve ser adaptada ao contexto operacional de cada organização. É importante lembrar que ainda não existe um formato padrão para se praticar "compliance" dentro das organizações. Cada organização deve procurar um modelo que faça sentido dentro do seu contexto operacional e, em linhas gerais, é claro que não todas, as empresas estão procurando se movimentar para procurar uma solução que atenda às necessidades da lei. Mas eu acho que há um compasso de espera das organizações, no sentido de esperar definições mais claras e objetivas que devem vir no decreto [de regulamentação], para evitar esforço de implementação que não estejam alinhados com as definições que o decreto vai trazer.

No Brasil, há leis que "pegam" e leis que não "pegam". O que é preciso para que essa lei seja de fato cumprida e surta resultados práticos? Existem dois grupos de agentes que vão construir uma dinâmica importante para que essa lei seja efetiva, para que essa lei "pegue". Os dois componentes são as autoridades, que vão ter o papel de forçar a implementação dessa lei e de monitorar e de fiscalizar, e as organizações, que vão ter que se adequar às exigências da lei. A lógica é meio circular, mas acho que para essa lei objetivamente "pegar", as autoridades precisam mostrar para o mercado que elas estão preparadas para fazer o "enforcement" da lei e que elas efetivamente vão fazer ações que façam com que essa lei seja cumprida. Do lado das organizações, a iniciativa pode ser paralela ou pode ser na sequência das ações do outro componente, que são as autoridades. Aquelas corporações que prezam por boas práticas de governança corporativa deveriam já se movimentar no sentido de implementar práticas de "compliance" para se precaver de eventual fiscalização. E eu acho que para essa lei pegar, o mecanismo vai ser reativo por parte das organizações, no sentido de quanto mais as autoridades apertarem o cerco ao cumprimento da lei, mais as empresas vão se sentir motivadas ou até obrigadas para se preparar inteiramente para responder às exigências da lei.

As empresas estão preparadas para esse novo cenário que começa hoje? Eu acredito que a grande maioria das empresas ainda não estão preparadas. Até porque não existia uma regulamentação específica. Não existia algo que motivasse as empresas a fazer um investimento específico para se estruturar em termos de "compliance". Eu acho até que algumas organizações um pouco mais bem estruturadas tinham práticas isoladas. Mas isso não era colocado embaixo de uma mesma estrutura organizada e de uma forma racional para responder às exigências de uma boa prática de "compliance".

E as autoridades estão prontas para garantir o cumprimento da lei? Eu acredito que, na sua plenitude, não. Existe até uma incerteza de quais são as autoridades que vão fazer o "enforcement" dessa lei. Principalmente nos níveis estadual e municipal, eu acho que existe uma grande incerteza. Eu diria até que nesse âmbito de Poder, a estruturação é muito próxima de zero. À nível federal, onde já existe uma clara definição que a CGU [Controladoria-Geral da União] vai fazer o monitoramento, o "enforcement", há um movimento de reforço dos mecanismos de monitoramento que, na minha visão, daquilo que a gente consegue acompanhar, não está num nível adequado para que o monitoramento e o "enforcement" sejam suficientes. Mas existe uma série de medidas com a intenção de, ao longo do tempo, se montar uma estrutura que seja efetiva.

A princípio, tanto empresas quanto autoridades passarão por um processo de adaptação. Em quanto tempo o sr. acha que poderemos de fato perceber uma mudança efetiva, com a redução da corrupção? É difícil definir um tempo específico para que ambos os componentes estejam prontos para agir de forma efetiva, para atingir o objetivo principal, que é uma redução do nível de corrupção. O que eu posso mencionar são os fatores que vão fazer com que o nível de corrupção diminuam. Os fatores seriam ações efetivas por parte das autoridades, que seriam a materialização de casos... as autoridades criarem oportunidades de empresas serem processadas, sendo multadas nos preceitos da lei. E que esses casos se transformem numa clara mensagem de que a tolerância a atos de corrupção é muito menor. E que, como consequência disso, as empresas sejam muito mais cuidadosas e muito mais cumpridoras de seus deveres em relação à lei. Então eu acho que essa é a dinâmica que num prazo médio ou longo vai fazer com que os níveis de corrupção no Brasil diminuam.

FONTE: Folha de São Paulo

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