A perigosa mistura entre política e religião
José Paes 09/01/2014 09:27

Uma das mais importantes conquistas democráticas no mundo contemporâneo é a separação entre religião e política. Não é que não tenham nada a ver, mas as relações políticas, sociais, cívicas, não podem ser orientadas pelas opções religiosas. Os Estados democráticos são Estados laicos.

O Brasil, contudo, vive um momento preocupante no que diz respeito à relação entre política e religião. Nos últimos anos, presenciamos o exponencial crescimento de bancadas religiosas, que muitas vezes acabam impondo suas convicções de caráter religioso, em meio a concessões e negociatas típicas do nosso modelo político, em que o Executivo, seja ele Federal, Estadual ou Municipal depende do “apoio” de um legislativo esfacelado por partidos políticos de aluguel, sem o menor propósito ideológico.

Nas próximas eleições, contudo, essa situação tende a piorar. Políticos das mais variadas correntes, seduzidos pelo volume de potenciais eleitores e pela enorme penetração nos meios de comunicação de massa travam uma enorme batalha para conquistar os votos “religiosos”, sobretudo os da população dita evangélica.

Vivenciamos rotineiramente o que muitos estão chamando de abuso do poder religioso, que passa por cima das leis humanas e das leis de Deus, e que se torna ainda mais gravoso pelos meios e artifícios utilizados pelas lideranças políticas, tudo com o indigesto aval das lideranças religiosas.

As condutas vão desde o registro de números de candidaturas de fácil vinculação com números bíblicos, arregimentação de discípulos de células como cabos eleitorais, pedidos de votos na porta das igrejas, distribuição de kits religiosos, até os apelos mais emocionais possíveis no altar, com uma suposta base equivocada na Palavra de Deus.

É certo que a religião tem o seu poder positivo, de transformar pessoas que buscam cura na alma, estimulando comportamentos que colaboram com a paz na sociedade. É igualmente imprescindível o seu papel de conscientização social, orientando os fiéis na escolha de candidatos que possam contribuir com o aperfeiçoamento da sociedade.

Agora, inaceitável que, como as demais formas espúrias de poder e dominação, o poder religioso venha a atrair aqueles que queiram transformá-lo em um trampolim político, merecendo tal conduta não só a repressão legal da justiça eleitoral, como a repressão interna das autoridades religiosas.

Nós precisamos compreender que o que devemos levar em consideração são os projetos dos candidatos, e não sua religião. Ser evangélico, católico, judeu ou ateu não é o que qualifica um cidadão a ocupar um cargo público.

Artigo publicado na versão impressa da Folha de hoje (09/01)

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