Dívidas judiciais de cidades e Estados já passam de R$ 90 bilhões
José Paes 01/04/2013 15:09

FLÁVIO FERREIRA DE SÃO PAULO

"Ainda bem que Deus não quis me levar até agora", diz a dona de casa Isaura Soares de Siqueira, 90, ao falar sobre a espera de mais de 26 anos para receber o dinheiro que o governo estadual deve a ela após a Justiça reconhecer uma diferença salarial devida ao marido já morto.

O marido, um policial militar, havia pedido ao Judiciário o pagamento de um adicional previsto na lei. A notícia da vitória na ação chegou à casa de Isaura no dia do enterro dele. Agora, ela e seus nove filhos aguardam o pagamento que, com correções, já passa de R$ 700 mil.

A situação de Isaura também é vivida por milhares de funcionários públicos e pensionistas que ganharam na Justiça, tiveram seus créditos formalizados nos títulos chamados de precatórios, mas ainda não levaram."Quando receber, vou pagar a operação no joelho da minha filha que sofre de artrite e vou ajudar meus filhos que ainda têm que pagar aluguel", conta a dona de casa.

Segundo Tribunais de Justiça consultados pela Folha, servidores que não receberam as verbas salariais previstas em lei formam o maior número de titulares de precatórios no país. Outro grupo relevante é o de donos de terrenos desapropriados que não aceitaram o valor pago pelo Poder Público.

O fato de muitos governantes terem ignorado a máxima de que "decisão judicial não se discute, cumpre-se" levou Estados, municípios e autarquias a acumularem dívidas que já somam mais de R$ 90 bilhões, segundo o Conselho Nacional de Justiça.

Como esse passivo já era altíssimo em 2009, o Congresso aprovou a Emenda 62, que autorizou o parcelamento dessas dívidas em até 15 anos.

Porém, no último dia 14 o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional essa permissão. Com isso, vai voltar a valer regra anterior, que estipulava o prazo de um ano para pagamento.

Folha fez um levantamento nas contas das unidades da Federação e apurou que a situação de endividamento com os precatórios é grave em vários locais. No Distrito Federal, por exemplo, chega a quase 30% da receita corrente.A decisão preocupa Estados, municípios e autarquias que têm dívidas muito altas em relação à receita líquida anual. Se a conta vier para quitação em um ano, suas políticas públicas e investimentos ficarão comprometidos.

"A sociedade de cada Estado e município deveria investigar quando seus governantes tomaram a decisão política de parar de pagar em dia os precatórios e deixaram que grandes passivos fossem acumulados", diz o procurador-geral do município de São Paulo, Celso Coccaro.

Coccaro cuida do passivo de precatórios de mais de R$ 17 bilhões da prefeitura paulistana, que praticamente empata com a dívida do Estado de São Paulo. O valor equivale a 56% da receita líquida da cidade em 2012. "O passivo é equivalente a quatro anos de investimentos da prefeitura", diz Coccaro.

O respiro para as administrações pode vir do próprio STF. É que o ministro relator da ação contra os parcelamentos, Luiz Fux, vai propor uma discussão sobre a abrangência da decisão.

O STF poderá decidir, por exemplo, que as dívidas anteriores ao julgamento ainda poderão ser parceladas, por algum período, e a regra da quitação em um ano vai valer para os novos precatórios.

O tribunal poderá também declarar que algumas regras da Emenda 62 consideradas positivas pelos credores poderão continuar vigorando.

A própria autora da ação contra os parcelamentos, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), deve sugerir ao STF alternativas para evitar o caos financeiro nos Estados.

A secção paulista da OAB já propõe que o STF dê prazo de cinco anos para o pagamento de precatórios antigos.

 13090484   Fonte: Folha de São Paulo

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