Como não ficar por isso mesmo ?
lucianaportinho 14/01/2013 15:21

Uma semana após a demolição do Casarão histórico situado na esquina das ruas Saldanha Marinho com Treze de Maio, área central da cidade de Campos, o resto dos escombros (que não foi retirado da calada na noite do desmonte), continua lá, assim como o muro não derrubado totalmente (na manhã de domingo passado).  Do episódio, feito não se sabe por quem até agora — sem a exigida licença da secretaria municipal de Obras e Urbanismo —, em noite de um sábado de verão, quando boa parte da população está fora da cidade veraneando, fica clara a urgência de uma atuação enfática por parte dos órgãos responsáveis, em particular, pela Prefeitura de Campos, primeira responsável na preservação do patrimônio cultural e histórico dos bens listados e protegidos pela lei municipal 7972 de 31/03/98. O presidente da Associação Norte Fluminense de Engenheiros e Arquitetos (Anfea), Fabrício Alvarenga, é radical, “Temos que recomeçar do zero, definir critérios do que pode, deve ou não ser preservado, fazer levantamento atualizado e agir em cima de prioridades”.  Ele diagnostica a demolição recente pela certeza da impunidade, pela omissão das autoridades competentes, pelo “jeitinho” do poder público. Por outro lado, Fabrício, alerta da inexistência de compensação para o particular que queira manter patrimônio histórico sob sua propriedade. “O bem não pode ser um fardo. A Anfea defende a preservação, sempre. A municipalidade tem que oferecer uma contrapartida ao dono de um imóvel histórico, criar uma função para o imóvel listado como patrimônio cultural, se não, é covardia. Não tenho procuração para falar em nome de nenhum proprietário, se trata de uma questão de justiça e nisso o MP tem parcela de culpa ao ser omisso. Há mais ou menos 10 anos entregamos ao MP e a Prefeitura uma relação com 450 imóveis levantados sem que nenhuma medida, até hoje, fosse tomada”, disse Fabrício. Já o professor e pesquisador Aristides Arthur Soffiati não vê solução sem que seja criado um órgão de caráter executivo — com quadro profissional remunerado que funcione de segunda-feira à sexta-feira, em expediente normal — na questão da defesa do patrimônio cultural municipal como o são o Ipphan e o Inepac, nos governos federal e estadual. — Chegamos ao ponto em que não é mais possível permanecer, há que haver uma reformulação. O Coppam é um conselho consultivo e deliberativo, mas, não consegue dar conta de fiscalizar. Temos que ter um órgão executor da política de defesa do patrimônio cultural material e imaterial, com recursos financeiros mínimos. Propusemos 1% da arrecadação um municipal destinado à Cultura, como o é em nível do governo federal. Fizeram um escândalo, foi barrado pelos vereadores governistas. Julgaram que não poderiam se conter com os 99% restantes a outras áreas. Sem isso a política cultural fica pela metade, a prefeita não dá a mínima atenção, as deliberações se avolumam sem solução — frisa. Soffiati só exclui da crítica o presidente do Conselho de Preservação do Patrimônio Municipal de Campos, Orávio Campos Soares. “No mais, na Cultura e no Ambiente, só vejo pessoas nomeadas sem qualquer vínculo com suas pastas”, frisa ele, ao lembrar ainda do agravante. “Vivemos sob a hegemonia dos interesses do capital. Até o Dr. Marcelo Lessa (MP) defende o direito da propriedade privada”. O arquiteto e Mestre em Artes pela Universidade Federal do Espírito Santo, Humberto Neto das Chagas, é um dos quatros representantes da sociedade civil no Coppam. Para ele, a demolição do Casarão era uma tragédia anunciada. O terreno já tinha sido mutilado para a construção de uma agência do Bradesco. “Não é novidade a falta de vontade política por parte da prefeitura. Foi feito um esvaziamento proposital do Coppam, isso é claro. Retiraram o jeton, com isso os representantes do Inepac e do Ipphan que antes participavam das reuniões semanais, não vem mais. No atual governo, nem existem mais as reuniões com periodicidade no Coppam. Nas últimas, nem houve quórum, tenho mesmo a curiosidade de saber onde estão as atas do Coppam, onde está o Livro de Tombo do conselho? A lei municipal de proteção em vigor é frágil, dá margem para  interpretações legais variadas”, desabafa Humberto que não esconde a latente indignação: “De um modo geral, predomina localmente uma visão errônea. Enquanto o mundo inteiro se direciona para outra ponta do que é desenvolvimento, nós aqui estamos fazendo uma cidade mais quente, mais engarrafada, mais utilizadora de energia”, finaliza. Coppam e Concultura debatem demolição De todo o espanto causado pelo desmonte do Casarão histórico, fica a constatação da insuficiência dos instrumentos legais para a preservação do patrimônio cultural material de Campos. Em resposta, visando debater a demolição, o presidente do Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal (Coppam), Orávio de Campos, convocou uma reunião conjunta com o Conselho Municipal de Cultura (Concultura) para a próxima quarta-feira, a partir das 9h30, nas dependências do Teatro de Bolso. Na última semana, o Brasil assistiu a um embate entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Governo do Estado como noticiou o Jornal do Brasil Online. “O Estado do Rio de Janeiro está proibido de demolir o prédio onde funcionou o Museu do Índio, vizinho ao Complexo do Maracanã. Em sessão realizada em dezembro último, o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural emitiu parecer contrário ao pedido de demolição feito pelo governo Cabral, e sinalizou para um possível tombamento do lugar”. Lá, foi o bastante para que um ente público respeitasse a decisão do conselho municipal e não afrontasse a lei. De acordo com o advogado João Paulo Granja — situações de conflito entre interesses de particulares e da coletividade estão previstas na Constituição Federal de 1988, em vigor no país. “Pelo artigo 216 — inciso V, parágrafo 1º — cabe ao poder público conservar o patrimônio cultural de natureza material e imaterial, tomados em conjunto ou individualmente, cabendo à sociedade contribuir para este fim”. Em Campos, com o momento de grande e crescente especulação imobiliária, a sociedade começa a cobrar ao governo municipal e ao Ministério Público que sejam objetivos na ação de preservação e de punição aos crimes contra o patrimônio histórico municipal. Luciana Portinho Matéria publicada na Capa da Folha Dois, Folha da Manhã de ontem, domingo, 13/o1.
   

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