Confissões da Leoa
lucianaportinho 09/11/2012 17:55
Confissões da Leoa Luciana Portinho Em um país de histórias contadas (são mais de 20 línguas faladas), ou seja, com acentuada oralidade, pertencendo a um continente em que a feitiçaria permeia a vida, o escritor e biólogo moçambicano Mia Couto (como ele faz questão de se identificar), está no Brasil para lançar seu 12º livro, “A Confissão da Leoa”. O romance leva o selo da Companhia das Letras e traz pa-ra a ficção a terrível sucessão de mortes violentas que assistiu, enquanto trabalhava em estudos ambientais em uma aldeia no Norte de Moçambique. Do total de 26 vítimas fatais — foram literalmente devoradas  — só uma masculina. Todas causadas por ataques de leões, “Em pleno século XXI, isto me perturbou muito”, diz Couto. Em “A confissão da Leoa”, uma aldeia moçambicana é alvo de ataques mortais de leões provenientes da savana. Um tarimbado caçador, Arcanjo Baleiro, é enviado à região. Ao chegar lá, ele se vê em uma teia de relações complexas e enigmáticas. Fatos, lendas e mitos se misturam. Uma habitante da aldeia, Mariamar, em discordância com a família e os vizinhos, desenvolve suas próprias teorias sobre a origem e a natureza dos ataques das feras. A irmã dela, Silência, foi a vítima mais recente. O livro é narrado pelos dois, Arcanjo e Mariamar, sempre em primeira pessoa. No decorrer da história, o leitor saberá que eles já travaram um primeiro encontro muitos anos atrás, quando Mariamar era adolescente e o caçador visitou a aldeia. O confronto com as feras leva os personagens a um enfrentamento consigo mesmo, com seus fantasmas e culpas. A situação de crise põe a nu as contradições da comunidade, suas relações de poder, bem como a força, por vezes libertadora, por vezes opressiva, de suas tradições e mitos. Na verdade, os moradores locais acreditavam que as mortes não foram provocadas por leões de carne e osso, mas por criaturas de um mundo invisível, onde a espingarda perde sua eficácia. Em recente entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, Mia Couto, afirmou que a despeito de seu olhar cientifico, condição que a biologia lhe proporciona, é na poesia que encontra as explicações. Aliás, a poesia é o seu território, “Sou um contador de histórias, não me tomo muito a sério. A escrita para mim acontece, não é uma missão, posso perdê-la. Leitor pouco disciplinado, leio compulsivamente poesia. Há escritores brasileiros que me marcaram imensamente. Quase todos, do lado da po-esia. São eles: Drummond, João Cabral, Manoel de Barros, Adélia Prado, Hilda Hilst. E é claro, mais do que todos, João Guimarães Ro-sa, sobretudo pela poesia que mora na sua prosa”, destaca o escritor moçambicano. Homem simples, Mia Couto é de fala mansa, raciocínio ágil e gentil. Atribui essa última característica à cultura pátria, “Moçambicanos são muito gentis. Na retórica, do jornalista ao camponês, não dizem NÃO”. Ao falar da língua portuguesa, externa esse fino trato, “Não seria capaz de viver em um país que não fosse de língua portuguesa, é o meu edifício literário. A língua não está sozinha, há um afeto. Cada qual pertence a um tempo, um lugar. Tenho que ter raiz, tenho que ter asas”, observa. Segundo o escritor, Moçambique é um país sem tradição literária, no qual o livro circula pouco. Uma tiragem de cinco mil exemplares é extraordinária. Ele lembra de que na época da independência, ano de1975, 95% da população era analfabeta. Fato que justifica o ditado popular africano ‘um velho morre, uma biblioteca que arde’. Indagado sobre os males contemporâneos como tédio e amargura ele não vacilou, “O desgosto pede a sua contraparte. Este sentimento de perda e de desorientação será certamente temporário. Vão nascer o gosto, a esperança e novas utopias serão criadas. Faz parte de a condição humana criar essas narrativas carregadas de futuro”. Mesmo se mantendo em uma posição de estranhamento com relação a prêmios literários. Para  para ele, cada escritor carrega em si um universo único, não mensurável e incomparável-, Mia Couto é o vencedor do prêmio instituído pela Universidade de Évora (Portugal) Vergílio Ferreira, em 1999, pelo conjunto de sua obra e, em 2007, do prêmio União Latina de Literaturas Românicas. * Folha Letras, Folha da Manhã, sexta-feira, 09/11.

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