Corredor descalço...
Marcos Almeida 27/09/2012 13:08

Este cara - Rodolfo Lucena - é corredor puro sangue, dos que curtem correr, sem ser competitivo, aproveitando todos os Neurotransmissores produzidos. Tem um ótimo blog na Folha de São Paulo, onde passa suas experiências e detalha as alheias, recomendo a leitura, pois sempre os assuntos são bem legais. E este então... Sintam o estilo:

Lá me ia eu, feliz e satisfeito no meu treino, descendo a Henrique Schaumann e cruzando a avenida Rebouças sem parar no sinal, quando adentro a avenida Brasil e vejo vir em minha direção um corredor descalço.

Foi o primeiro que vi no Brasil foram de corridas e descontando os corredores fantasiados de índio que participam de algumas provas. Ele vinha com os pés muito brancos pisando naquela mixórdia que o é o chão de São Paulo. Trazia nas mãos seus calçados de corrida, um modelo minimalista, desses que são quase uma segunda pele de tão finos. Por alguma razão, o corredor dispensou até aquela proteção mínima e tratou de jogar a pele contra o asfalto.

Tive poucos instantes para observá-lo, pois corríamos na mesma direção, mas em sentidos opostos, eu em direção ao Iburapuera, ele se preparando para chegar à Henrique Schaumann.

Percebi, porém, que seu tipo físico era diferente do que o que eu costumo ver associado a corredores descalços. Em geral, os vistos em algumas provas nos Estados Unidos são corredores mais velhos, experientes, dedicados a provas duras e de longa duração; de estrutura pequena, são secos e fortes.

Esse de pés brancos era em tudo diferente daquele perfil. Devia ter menos de 35 anos, com estrutura física mais pesada, mas em boa forma. Ainda que não caísse na categoria de gordinho, seu biotipo estava mais próximo do meu do que do biotipo que em geral vejo associado a corredores descalços.

Espero ter deixado claro que não estou dizendo que gordinhos ou pessoas com estrutura corporal mais pesada não correm ou não podem correr descalços; apenas, em geral, os corredores descalços que vi em corridas nos EUA são mais leves e secos.

Gostaria de entrevistar o cara esse visto na avenida Brasil, para entender suas razões, saber o que ele acha que está ganhando com isso e o que vem sofrendo.

Em geral, tenho passado ao largo dessa discussão sobre as supostas vantagens ou desvantagens da corrida de pés nus.

Primeiro, porque me parece uma discussão basicamente incentivada por algumas marcas de calçado esportivo; segundo, porque, quando não é essa a questão, as defesas e ataques não raro ganham tons religiosos, há o time de um lado e o time do outro, e cada um se acha dono da verdade absoluta e com a sagrada missão de evangelizar o mundo para que corra de acordo com seus ditames; finalmente, e não menos importante, porque tudo que li indica que são no mínimo tênues as bases científicas de defensores do minimalismo ou da corrida descalça E a dos seus opositores.

Pelo que já li e conversei com médicos, especialistas em biomecânica e fisioterapeutas, trata-se mais de uma questão de foro íntimo, desejo e fé do que de ciência provada e comprovada.

Há cientistas sérios que acreditam nas benesses da corrida descalça. Conversei com Yannis Pitsiladis, que há anos faz pesquisas genéticas, biomecânicas e sociais entre corredores do Quênia e outros países do leste da África.

Ele acredita que a corrida descalça é um dos fatores que fortalece os pés e pernas dos quenianos e etíopes. Diz mais: acredita que o homem que correr a maratona em menos de duas horas vai fazê-lo descalço –se as marcas de calçados de corrida permitirem. Mais ainda: brigou com o ortopedista de sua filha de 13 anos, que receitou botinhas ortopédicas para os pés chatos da menina; em lugar disso, fez com que ela caminhasse descalça em ares protegidas, exercitando os músculos dos pés. Ainda não tem os resultados, mas confia piamente que vai funcionar.

Mesmo ele, porém, se opõe com veemência a que a gente saia por aí, sem mais aquela, correndo descalço pelo mundo. Os riscos são enormes, tanto pela sujeira e pelos perigos que grassam pelo chão quanto pelo despreparo de nossa estrutura musculoesquelética de seres urbanos e calçados.

Aos que querem testar, Pitsiladis propõe que vão com calma. Procurem, em primeiro lugar, ambiente seguro, grama ou terra; experimentem poucos minutos de cada vez. Nas cidades, corram em parques e praças, fujam das ruas…

Ele acredita que o corredor só terá benefícios com a experiência.

A prática demonstra, porém, que não é bem assim. Novas lesões vêm surgindo –e eu cito de cabeça, de leitura distante–, notadas nos Estados Unidos, onde é maior o movimento de corredores descalços. Eles atingem estruturas que eram protegidas pelos calçados e que, nos pés nus, sofrem impacto direto, como a parte da frente dos pés.

De novo, não há prova definitiva de que a corrida descalça seja, por si só, a causa desses problemas. Pode ser o volume da corrida descalça, o exagero nos incrementos de quilometragem ou a intensidade maior do que a aceitável pelo corpo –ou tudo junto e misturado.

Enfim, o corredor descalço, no asfalto sujo e perigoso da avenida Brasil, me causou surpresa. Não sei se é bom ou ruim ou nem uma coisa nem outra; tenho certeza, porém, de que, se alguém for adotar esse estilo, deve fazê-lo aos poucos. E, se puder, quiser ou lembrar, mande para este blog notícias de seus experimentos.

Matéria na íntegra, aqui!

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    Sobre o autor

    Marcos Almeida

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    Marcos Almeida é assessor esportivo, especialista em Ciência da Musculação e mestre em Ciência da Motricidade Humana.

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