Braços Abertos
lucianaportinho 05/09/2012 21:06
O jornalista, poeta e amigo Nino Bellieny, edita o interessante blog Braços Abertos, http://bracosabertosnb.wordpress.com/. Diferentemente do outro que permanece no ar com perfil de liberdade poética/artística (http://nuvensnuvensestacionadas.blogspot.com.br/),  Braços Abertos se pauta por textos que tangenciam o universo corporativo e dialogam com o acadêmico/universitário, em especial atenção do jornalista com a Faculdade Redentor da qual Nino Bellieny é consultor de comunicação. O texto que escolhemos para divulgação neste espaço é sobre assunto mais que atual, quente. Trata da Lei de Acesso à Informação Pública (Lei n° 12527/2011) que está em vigor no nosso país desde maio de 2012. Foi escrito por Cláudio Chequer, ele que é o Coordenador Acadêmico do  Curso de Direito da Faculdade Redentor. Sugiro sua leitura e uma visita ao blog http://bracosabertosnb.wordpress.com/1485-2/ . Cláudio Chequer
A Lei de Acesso à Informação Pública (Lei n° 12527/2011) entrou em vigor, no Brasil, em maio de 2012. A partir daí, os representantes dos Poderes da República, do Ministério Público e do Tribunal de Contas começaram a aventar a necessidade (leia-se obrigação) de se divulgar a relação nominal de seus servidores e de seus respectivos vencimentos, objetivando, com essa medida, atender, em especial, ao que determina o art. 3° da lei em questão. O Poder Executivo foi o primeiro a colocar essa informação disponível para o grande público na rede mundial de computadores, no Portal da Transparência do Governo Federal. Adotou-se aqui o formato de divulgar o contracheque de cada servidor, veiculando informações detalhadas a respeito dos vencimentos, eventuais gratificações, jetons, verbas indenizatórias, férias, 13° Salário e deduções no Imposto de Renda e Previdência Social. A título de exemplo, encontra-se facilmente no Portal da Transparência, de forma especificada, a remuneração da Presidente Dilma Rousseff e de todos os seus ministros. Os demais poderes e o Ministério Público, em todos os níveis, ao menos em parte, seguiram ou tendem a seguir o mesmo padrão informativo. Alguns sindicatos e associações de classe ligados a servidores públicos e agentes políticos ajuizaram ações e emitiram notas públicas buscando impedir essa veiculação, entendendo, como fundamento de suas pretensões, que os dados constantes nos contracheques estariam abrangidos pelo direito fundamental à privacidade. Para essas instituições, bastaria o Estado informar o número de matrícula de seu servidor e seus vencimentos detalhadamente que já estaria atendido o objetivo legal, o ideal traçado pela norma. Afirmam também que a informação prestada, da forma como realizada, não se fundamenta na Lei de Acesso à Informação Pública, mas sim em um mero ato normativo emitido pelos representantes dos poderes, não encontrando, pois, amparo jurídico restrito. Não concordamos com esse posicionamento. A ideia de privacidade e intimidade como um conceito jurídico surgiu em 1890, a partir da publicação do festejado artigo de Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, The Right to Privacy, nos Estados Unidos, na Havard Law Review. Nesse artigo, que teve por base a obra de um magistrado norte-americano chamado Cooley , os dois então jovens advogados criaram o que resolveram denominar de “o direito a estar só” (“the right to be let alone”). Hoje, entretanto, essa ideia de privacidade entendida como o direito a estar só se encontra subjugada. Conforme afirma Steven J. Heyman, o direito à privacidade impõe atualmente “[...] que o indivíduo seja geralmente livre para decidir, por si mesmo, se deve revelar os seus pensamentos, sentimentos e assuntos reservados para outros.” O direito à intimidade tem sua razão de ser, assim, na soberania que deve ser reconhecida ao indivíduo no que toca àquelas ações que carecem de repercussão social, conferindo-lhe o poder de decidir pela exclusão de toda interferência alheia nesses tipos de ações. Partindo dessa definição, não podemos concordar que todas as informações lançadas nos contracheques dos servidores estão abrangidas ou guardam relação com o direito à privacidade ou intimidade. Não é verdade. As informações relacionadas aos vencimentos dos servidores e respectivos descontos genéricos (tais como imposto de renda e contribuição previdenciária), não têm qualquer relação com o direito fundamental à privacidade, pois não se trata de um assunto capaz de conferir ao servidor liberdade para decidir a respeito de sua revelação. Esses dados são públicos, pertencem à sociedade. O valor pago como salário ao servidor é de enorme interesse público e essa informação deve ser publicizada amplamente, já que é a sociedade quem os remunera e, portanto, tem pleno direito de saber a quem ela paga, quanto ela paga, como ela paga, quais são as vantagens pecuniárias extraordinárias e eventuais recebidas pelos servidores de forma genérica e específica. Cabe ao Estado, por sua vez, prestar obrigatoriamente essas informações à sociedade de forma efetiva e plena, o que não se alcança com a publicação apenas da matrícula e respectivos vencimentos dos servidores. O Estado, para atender a sua obrigação, deve veicular essa informação da forma mais transparente possível, facilitando o acesso desses dados à sociedade e, até mesmo, fomentando essas discussões na esfera social, o que se realiza plenamente com a veiculação do nome do servidor e respectivo contracheque de forma a facilitar o acesso efetivo da informação. O que está abrangido pelo direito à privacidade, em verdade, são apenas os descontos específicos (e não os genéricos) relacionados a temas particulares como pensões alimentícias, empréstimos consignados em folha e outros semelhantes. Esses, sim, não devem ser veiculados, já que relacionados à esfera privada ou até mesmo a esfera íntima (núcleo mais restrito) de cada servidor, não materializando, assim, um interesse público capaz de justificar o amplo acesso à informação. Não se pode deixar de destacar que a Lei de Acesso à Informação Pública visa dar eficácia plena ao artigo 5°, inciso XXXIII, da Constituição da República, dispositivo constitucional que materializa uma norma de eficácia limitada ou não autoaplicável, sendo, pois, um desejo expresso do Constituinte Originário que “todos tenham o direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse coletivo ou geral”. Numa sociedade democrática, que busca de verdade a realização de valores igualitários de forma efetiva, o povo tem o direito de saber a respeito dos assuntos de interesse público, ao menos, em razão de esse direito de acesso à informação pública aumentar o controle social (ninguém controla o desconhecido) e, por consequência, o amadurecimento da democracia, já que a transparência das informações fomenta a confiança do povo em seus governantes, sendo essa confiança elemento essencial e imprescindível a qualquer sistema de governo democrático. Daí inclusive, entre outros argumentos, é que se extrai o entendimento no sentido de que liberdade de expressão e informação no Brasil deve ser tratada, assim como em grande parte do mundo (Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Austrália), de forma heterogênea, sendo protegida mais intensamente quando relacionada com assuntos de interesse público. Neste caso, esse direito fundamental deve ser considerado como um direito fundamental preferencialprima facie quando em conflito com outros direitos fundamentais, o que significa dizer que, entrando em rota de colisão com outro direito fundamental, à liberdade de expressão é conferida um peso inicial preponderante. Seguindo esta premissa, adotada a partir de uma linha de raciocínio que estabelece a democracia como elemento essencial de interpretação de todos os direitos fundamentais, o efeito produzido pela Lei de Acesso à Informação Pública é salutar, foi desejado diretamente pelo Constituinte Originário e deve ser defendido pela sociedade cidadã. Vale destacar ainda que a Lei de Acesso à Informação, da forma como vem sendo interpretada especialmente pelo Poder Executivo, já produziu bons efeitos para a democracia. O primeiro deles foi mostrar que a Constituição da República, ao estabelecer um teto remuneratório para os servidores públicos, em seu artigo 37, inciso XI (ninguém deverá ganhar mais do que um Ministro do Supremo Tribunal Federal), não vem sendo observada seriamente, uma vez que já ficou esclarecido que diversos servidores, de todos os níveis da federação, ganham acima do subsídio mensal fixado como teto máximo do funcionalismo. Por último, é mesmo verdade que a veiculação de contracheques de servidores públicos, na parte relacionada aos seus créditos e descontos genéricos, é realmente capaz de causar um enorme desconforto a esse profissional, justificando-se, entretanto, esse efeito da lei em razão da busca da construção de uma democracia verdadeira, com possibilidade real de enorme controle social e fomento efetivo da transparência em todos os setores públicos, cenário que interessa a todos os cidadãos, servidores públicos ou não.
 

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