A verdade escondida nas fotografias encontradas num mercado de pulgas
Mariana Luiza 22/01/2017 01:18 - Atualizado em 15/05/2020 18:08
mercado de pulgas, NYC 2010
mercado de pulgas, NYC 2010
Não é a primeira vez, nem será a última que escrevo sobre fotografias. Não é primeira vez, nem será a última que escrevo sobre o meu amor e devoção pelas antiguidades e pela melancolia. Um dos meus programas preferidos quando viajo ou revisito uma cidade é conhecer ou revisitar algum mercado de pulgas, brechó ou feira de antiguidades. Figurinhas antigas, revistas em quadrinho, vestidos de costureiros famosos, lenços, capacetes de guerra, máquinas fotográficas, talheres iranianos, louças chinesas e fotografias. Objetos, roupas, artigos de decoração que um dia fizeram parte da vida de alguém que eu desconheço e dificilmente irei conhecer. Donos de bugigangas de diferentes países que em algum momento da vida tiveram apreço por aquele objeto hoje à venda nas bancas dos mercados. Eu procuro pelo que é inútil, o que é supérfluo. As roupas e lenços me atraem muito, mas objetos que não têm serventia ou as fotografias de estranhos são de todas as coisas, os que mais me chamam atenção. Eu tenho uma relação conturbada com fotografias. Talvez por isso que escreva tanto sobre o tema. Gosto muito de tirar, gosto pouco de posar, mas sinto um medo enorme de revê-las. A foto é a paralisação de um momento. Um sopro do tempo que jamais será repetido e que, por isso, pode provocar sensações adversas. Com o passar dos anos, uma mesma fotografia é capaz de me despertar sentimentos opostos e, por muitas vezes, incompatíveis: Alegria, saudade, arrependimento, ódio e mágoa. E é o medo do despertar de sentimentos ruins que me faz ter uma certa repulsa em colecionar álbuns fotográficos ou abrir arquivos de fotos digitais escondidas num HD qualquer no canto do armário. O meu maior temor é a nostalgia. Talvez por isso que eu goste tanto das fotografias dos mercados de pulgas. Nostalgias que não me pertencem. Fotos de gente comum, de festa de criança com bolo e brigadeiro, de álbum de casamento, de comemorações pelo fim da segunda guerra. Fotografias de um verão na praia mexicana em 1978. Todas estas e muitas outras, podem ser encontradas numa caixinha cheirando a mofo escondida debaixo de uma mesa de uma barraca num mercado de pulgas e o que me instiga e provoca é a razão pela qual aquela fotografia está ali, jogada aos desconhecidos, ao invés de enfeitar um álbum na casa de seu dono ou descente. Onde está aquela criança? E o casamento, acabou? O que aconteceu com o soldado? Por que as lembranças do inesquecível verão de 1978 são agora vendidas para desconhecidos? Será que foram encontradas no lixo? Quem teria esta coragem? Será que último sentimento despertado nela seria o rancor ou a dor?
Procurar pelo sentimento perdido nas fotos alheias é mais curioso do que dolorido. É mais fácil do que rever fotografias e revisitar sentimentos. O que também me instiga nas fotos alheias, é imaginar o que acontecia com aquelas pessoas, minutos antes de o fotógrafo aparecer com sua câmera e bater o retrato. Será que aquela cara de felicidade é puro fingimento? E a pose altiva é mesmo autoconfiança ou só pose de um modelo amador fingindo uma postura que não tem. Quem posa, finge. E não precisa ser modelo ou atriz. Uma pessoa comum finge na sua própria festa de aniversário um sorriso meio de lado para esconder as imperfeições dos dentes, uma postura esguia que não revela a barriga de chopp. E o melhor da câmera fotográfica é que ela captura o fingimento e o revela como verdade. Sempre que me deparo com uma foto de mercado de pulgas me questiono o que será real por trás de tanta pose, tantos sorrisos e ponho a pensar nas sensações que aquela foto já causou em diferentes momentos da vida do fotografado. Eu procuro a verdade antes do fotógrafo aparecer, e que se torna real com passar dos anos. Mas eu nunca encontro, por isso, sigo viajando a visitar os mercados e feiras em busca das nostalgias que não são as minhas. 

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