Na Curva: Xuxa
Suzy 23/05/2012 16:16

Lá em casa duas coisas nunca entraram, pelo menos até onde eu podia controlar: funk e Xuxa. Pode parecer preconceito e, de certa forma, pode ser. Mas um ritmo que “explode” chamando mulher de cachorra na minha casa e na minha vida não entram. Funk pode ser um ritmo interessante, ter umas músicas de consciência, sei-lá-mais-o que, porém a imensa maioria denigre a mulher, promove um monte de coisas que abomino. Vivemos em uma Democracia e ela me permite ser “ditadora” dentro de minha casa – então, não é não.

Bom, explicado o funk, vamos para a outra parte, infinitamente mais complicada porque é difícil proibir e justificar o que aparenta ser uma imagem do bem, que aqueles que falam mal é porque tem inveja ou não conseguiram alcançar andares mais altos – na fama e na fortuna – que ela: a rainha dos baixinhos. Mas aquela imagem perfeita, sabendo o que tinha feito anos, aquele discurso de que “tudo o que quiser você pode conseguir” sempre me soou imperfeito, para dizer o mínimo. Quando tive minha filha, Xuxa não estava mais tão na moda, mas era proibida em casa e pronto.

Quando Xuxa foi para a Globo eu já estava na adolescência, mas, mesmo assim, era de encantar e impossível não se deixar levar por aquela linda loira, de sorriso espetacular descendo numa nave espacial. Por anos e anos, a imagem de Xuxa foi construída para se tornar um ídolo e ela se tornou. Mérito dela? Claro. Ter um rosto bonito, especialmente no Brasil, é quase lugar comum, porém ter empatia é algo raro e é inegável que ela tenha. Porém, essa imagem foi quase imposta, criada e esculpida por sua empresária por muitos anos, Marlene Mattos.

Xuxa só aparecia em programas de TV se fossem alguma coisa extremamente especial, tudo que ela fazia era transformado em evento. O “título de nobreza” foi lhe concedido para ser uma verdadeira rainha. Nada de ruim poderia cercá-la, o passado foi literalmente deixado para trás, custasse o que custasse, e só a Xuxa, rainha, benemérita, amiga das crianças poderia existir. Isso seguiu por duas décadas: ela teve seus amores, todos expostos à mídia, quis engravidar e “arranjou” um namorado, que mais tarde ganhou seu espaço nas telenovelas da Globo, engravidou (anunciando no Fautão), teve a criança – no dia do parto foram quase 10 minutos de Jornal Nacional sobre o assunto (acabei de ler no Google) e foi seguindo. Depois rompeu com Marlene e se tornou mais humana mais suscetível a erros, como qualquer pessoa normal – seja lá o que é ser normal para uma estrela como ela.

Aí Xuxa, no alto dos seus 49 anos, vai contar o que viu da vida no Fantástico. Fala de seus amores – Pelé e Airton Senna – ignorando o pai de sua filha e fala que foi pedida em casamento por Michael Jackson. Até aí tudo bem. Mas decide, de forma corajosa, falar de abusos sexuais que sofreu quando criança até o início da adolescência, justificando sua participação na importante campanha “Não bata, eduque”. Bom, primeiro que bater, necessariamente, não quer dizer abusar sexualmente, mas não pude deixar de lembrar quando ela lançou o filme “Xuxa e os Duendes” e ela disse que já tinha visto um aos pés de sua cama. Mas, tudo bem, também. Achei corajoso se expor assim, nominar alguns dos homens que fizeram isso. Uma vingança em rede nacional, embora com pouca eficácia na prática. Só não consigo entender como uma pessoa que passou por tudo aquilo e por tantos anos fez um filme, no início da carreira, onde praticava atos sexuais com uma criança. Está além de minha compreensão. Os fins justificam os meios? Ela estava passando fome com a família toda para sustentar? Foi forçada? Foi uma disfunção por repetição? Seja lá porque for, Xuxa passou anos tentando limpar “sua ficha suja” e conseguiu sua proibição, o que não quer dizer que ele não tenha existido. E depois de assistir seu depoimento, entendi porque ela é proibida lá em casa, embora, muitas vezes ouça sua voz na TV do quarto ao lado: sua maquiagem da vida e do mundo que criou para si é pesada demais. Não só é real, como me parece um engano criado para se projetar sempre, seja em qualquer situação.

(Publicado na edição de hoje da Folha da Manhã)

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    Suzy Monteiro

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