Botafogo, Charlie Brown e sofrimento
Alexandre Bastos 14/05/2012 00:21
charlie fogo

Durante nossas vidas somos obrigados a conviver com decepções, perdas, sofrimento, dor e angústia. Nos momentos mais difíceis é possível ver a verdadeira face dos seres humanos. Alguns gritam, outros choram e há quem prefira sofrer calado. E o que o Botafogo tem a ver com isso? O Botafogo é um drama ambulante. Até na época de Garrincha, Nilton santos e Manga, quando éramos os maiores, as conquistas foram marcadas por sofrimento, dúvida e mística, muita mística. Tanto, que surgiu a expressão: “Tem coisas que só acontecem com o Botafogo”.

O botafoguense aprende desde cedo a encarar a derrota. Perde quando está jogando bem e também quando joga mal. Tenho 30 anos e comemorei alguns títulos (Brasileiro, Conmebol, Rio São Paulo, Estaduais (5) e Teresa Herrera). Porém, as tragédias foram muitas. Eliminações com erros de arbitragem, virada do River Plate após o Botafogo estar com a vaga na mão, 100 mil no Maracanã para ver o Juventude levar a Copa do Brasil, rebaixamento para a 2ª Divisão, frangos, contrações bizarras, treinadores malucos e presidentes incompetentes. É por essas e por outras que eu digo: Não somos os maiores sofredores! O botafoguense sofre menos. Ele aprende desde cedo que o jogo só acaba quando o juiz apita. Até lá, muita coisa pode acontecer. E, como eu disse, tem coisas que só acontecem com a gente. O botafoguense sempre espera pelo pior e, quanto acontece, rola uma espécie de “eu já sabia”. Ele sabe que a instabilidade é nossa companheira.

O time da moda pode virar o time da chacota de uma hora para a outra. Até o ídolo deixa a gente na mão. Depois de 1995, Túlio vestiu a camisa do Botafogo outras vezes. Porém, nunca voltou a brilhar como naquele ano mágico, quando fazia dupla com o Pantera Negra. Agora, o atacante Loco Abreu parece ter encarnado um tipo alvinegro. O cara que chegou cheio de sorrisos em 2010 virou um tio rabugento. Sempre acha que está sendo perseguido pela imprensa e se tornou o campeão de patadas nos repórteres. No campo, Loco é a instabilidade em pessoa. Três gols em um jogo e pênaltis perdidos e gols incríveis desperdiçados nas outras partidas. Outro jogador com a marca alvinegra é o Herrera. Apelidado na Argentina de “Quase Gol”, ele mostra no campo o que somos. Valentes, determinados, esforçados... Porém, batemos sempre na trave. Quase, quase. “Poxa, mas o trabalho do Oswaldo estava tão certinho”, disse um amigo após a derrota para o Fluminense. Mas é isso. Não nascemos para ser “certinhos”. Tem sempre algo que dá errado. Como disse certa ver o jornalista botafoguense Arnaldo Bloch: “Charlie Brown é Botafogo”. Ele se referia ao personagem do Charles M. Schulz. Aquele garoto das tirinhas cujo time de baseball nunca ganhou um jogo. “Ele sabe que a vitória não é o padrão, que nenhuma hegemonia dura por toda a eternidade, ele sabe da vocação decisiva da humanidade para a derrota. Charlie Brown sabe que a ideia civilizacional, no sentido do triunfo de uma certa evolução, é uma farsa, uma perversão, um desvio da natureza na direção do caos, a beleza que não passa de ilusão antropocêntrica”, filosofou o Arnaldo Bloch em sua crônica sobre a nossa mania crônica.

Nós já passamos pela UTI do futebol. Já renascemos após um jejum de 21 anos e voltamos a ter glórias, ídolos e lotamos estádios. Entre uma decepção e outra temos nossos dias de reis. E esses dias são aproveitados de forma magistral. No último dia 30, no Engenhão, após o Botafogo atropelar o Vasco e sair do estádio como campeão invicto da Taça Rio, vi um avô com lágrimas nos olhos abraçando o neto e dizendo. “Esse é o Botafogo!”. Hoje, duas semanas depois daquela vitória, já sofremos três derrotas, perdemos o Estadual e fomos eliminados da Copa do Brasil. Agora, aquele rapaz deve ter virado motivo de piada entre os colegas. Mas como diz o Loco Abreu, “ninguém morreu” e o Botafogo continua vivo. Não apenas vivo, mas Imortal.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Alexandre Bastos

    [email protected]

    BLOGS - MAIS LIDAS