PASSEIO SOCRÁTICO
lucianaportinho 30/04/2012 08:48
PASSEIO SOCRÁTICO Frei Betto [caption id="attachment_3778" align="alignright" width="300" caption="Ft. Google"][/caption] Ao viajar pelo Oriente mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do  Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.  Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São  Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já  haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois  modelos produz felicidade?'
Encontrei  Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de  manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho  tanta coisa de manhã... 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota  robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: "Tenho aula de  meditação!'"
Estamos construindo  super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Uma progressista cidade do  interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não  tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em  relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como  estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!'  Mas como  fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? 
Hoje, a  palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga  íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de  prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...
A palavra hoje é 'entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da  imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, ­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é  que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que  acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.  O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento  globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental  três requisitos indispensáveis: amizades,  auto-estima, ausência de estresse.
Há uma  lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média,  as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de  missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos  de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito,  entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo  um passeio socrático. ' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz!
Obs: texto que recebi por email, é para chamar a mente ao trabalho.
 

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