Pequena demais
Mariana Luiza 22/01/2017 01:18 - Atualizado em 15/05/2020 17:16
Uma das lembranças mais vívidas que tenho do tempo em que morei em Nova York aconteceu no meu primeiro dia na cidade. Era o início do verão. Um amigo húngaro, Gabor, me recebeu no aeroporto e juntos atravessamos a cidade de metrô, até minha nova casa, no Brooklyn.Trocamos algumas vezes de estações, mudando de plataformas, subindo e descendo degraus, atravessando enormes corredores até chegar ao trem da linha R. Estação do meu endereço. Eu, menina criada numa pequena cidade do interior, me assustei com a quantidade de baldeações, trens e passageiros. E pensei, por um instante, que jamais conseguiria ter feito tal travessia sozinha. Depois de deixar as malas no apartamento, fomos juntos assistir o pôr-do-sol no Fort Hamilton Park, no mesmo bairro. Gabor me levou até lá, e me apresentou a Verrazano-Narrows Bridge, que liga o Brooklyn a Staten Island. 
Ponte Verrazano-Narrows
Ponte Verrazano-Narrows
Quando o sol se pôs, o parque que era muito florido e arborizado ficou repleto de vagalumes. Eu fiquei estonteada com a quantidade de light bugs. Pela primeira vez, desde que havia chegado, a quantidade de pessoas e movimentos por metro quadrado me era familiar: pequena.
Tentei fotografar os vagalumes mas a bateria da câmera tinha se esgotado antes que eu pudesse registrar qualquer feixe de luz animal. Gabor não entendeu a minha fascinação pelos insetos reluzentes e concluiu, erroneamente, que na terra das florestas Amazônica e Atlântica não tinha inseto semelhante.    
No dia seguinte, ainda tentando me adaptar a constância dos movimentos, resolvi andar sem rumo pela cidade insone. Peguei o metrô na 45th Street, na direção da estação mais procurada pelos turistas. A Times Square. Lembro-me como se fosse hoje, o medo que eu senti quando subi as escadas rolantes da estação e dei de cara com aquela torre de babel de pernas, sacolas, luzes e barulhos.
Era tanto tudo e tudo tanto.
Meu rosto queimava com o calor das lâmpadas dos painéis luminosos. Imagens tão nítidas, provavelmente 4K ou sei lá qual outra tecnologia que ainda não sou capaz de acompanhar, estampavam anúncios de sapatos, filmes e cremes antienvelhecimento. Meus ouvidos descompassavam na tentativa de distinguir os sons emitidos pelos painéis, buzinas e motores dos carros, anúncios dos musicais e o falar demasiado em diferentes línguas de turistas alvoroçados.
Eu fiquei agoniada. O excesso das luzes, sons e imagens nunca me fascinou e a obviedade daquilo tudo fora de longe a Nova York que eu iria me apaixonar. Andei um pouco por ali, comi uma fatia de pizza, e voltei correndo para o metrô overwhelmed. Eu já conhecia a palavra, mas só naquela tarde, senti no corpo seu significado.
Fugindo da Times Square, desci na estação Brooklyn Brigde/City Hall e atravessei a pé a ponte do Brooklyn de volta pra casa. E enquanto caminhava, fazia um cálculo mental dos longos meses que ainda me restariam naquela cidade, ao qual eu mal havia chegado, mas já me sentia completamente saturada. Eu não fazia ideia, mas em poucos dias, eu me apaixonaria para sempre pelas pequenas peculiaridades daquela grandiosa maçã. 
Times Square, 2008
Times Square, 2008
Frank Sinatra cantou "If I can make it there. I'll make it anywhere"... Jay-Z escreveu... "In New York, Concrete jungle where dreams are made of, There's nothing you can’t do, Now you're in New York, These streets will make you feel brand new, Big lights will inspire you, Let's hear it for New York, New York, New York."
Versos sobre a imponência das luzes e concretos da cidade construída pelo homem, mas que parece não precisar de habitantes. Nova York brilha tanto e por si só, que é quase impossível não passar por lá sem se perceber minimamente insignificante. 
Desde o primeiro pôr-do-sol na cidade, eu não tinha certeza do que iria me acontecer nos próximos meses em que lá viveria, mas de antemão sabia que aquela metrópole tão imponente iria de alguma forma me transformar para sempre.
Das luzes da Broadway às luzes dos vagalumes no Brooklyn Fort Hamilton Park, não houve um dia sequer que Nova York não impôs seu brilho e me fez sentir do tamanho real que eu sou. Pequena demais.   Frank Sinatra - New York, New York Jay-Z - Empire State of Mind

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Mariana Luiza

    [email protected]