Hoje na Curva - Outro final
Ela não tinha mais aquele brilho nos olhos. Não perdeu a alegria, porém, não era a mesma coisa.
Acabou.
Na verdade, estava cansada de tantas velhas historias iguais, que se repetiam trazendo o ar de novidade. E, mesmo já sabendo seu final, insistia em acreditar que poderia ser diferente. Insistia em se apaixonar, em investir, até em fingir para ser feliz. Mas já sabia de cor aquele roteiro. Tinha, inclusive, os caminhos para mudá-lo, mas, havia tempo que perdera a mão e entrara nesse mar revolto, sem perspectiva de cais por perto.
Agora, enquanto novamente ia abrindo espaço no armário, tirando do cabide lembranças, suspiros e sonhos, imaginava como sua vida parecia letra de Nelson Rodrigues:
“Quebrei o teu prato
tranquei no meu quarto
bebi teu lícor.
Arrumei a sala,
já fiz tua mala
pus no corredor
Eu limpei minha vida
te tirei do meu corpo
te tirei das estranhas
fiz um tipo de aborto
e por fim nosso caso acabou, está morto...”
Não que fosse essa tristeza toda. Sempre tivera uma tendência ao dramalhão. Além disso, sentia falta até do tempo em que, verdadeiramente, sofria por amor. A questão é que gostava de gostar e cada vez isso ficava mais distante, dando uma saudade da inocência, dos sentimentos intensos, do amor “para sempre”. Agora, parecia que vivia naqueles pesadelos infantis, em que corria por uma estrada sem fim, buscando algo sem saber o que. Trancou a porta do armário e foi ao shopping. Se quase tudo estava perdido, ainda poderia aproveitar a liquidação de inverno.