Sedução
lucianaportinho 23/02/2011 09:59
Sedução (Um conto de Ivan Vianna) Notaram-se pela primeira vez ainda na livraria da rodoviária, no Rio de Janeiro. Ela de vestido solto e vaporoso, como convinha naquela tarde quente de primavera. Examinava algumas revistas indecisa na escolha e, enquanto se curvava para folhear outra, deixava insinuar levemente, através do decote, os contornos de seios bem proporcionados. Parecia despreocupada quanto a este detalhe, segura de sua sensualidade madura. Ao se decidir pela compra sorriu discretamente, mais para si mesma, quando a descontração deu lugar a certa rigidez facial, quase imperceptível, reparando que era observada sem pudor por aquele homem. Hesitou por segundos até se dirigir ao caixa, mas seguiu firme tentando parecer natural. Ao entrar no ônibus com destino a Campos ele ficou satisfeito pela coincidência da bela mulher sentada próxima da sua poltrona, mas agiu com tanta espontaneidade que ela mesma chegou a duvidar se havia sido marcada por seu olhar, da forma como imaginou sentir. Estirou o paletó na poltrona ao lado, dobrou os punhos da camisa e verificou que eram poucos os demais passageiros. Mas sua atenção estava naquela mulher e percebeu o cruzar de pernas agitado que demonstrou a inquietação do comportamento feminino excitado. Mais uma vez seus olhos se cruzaram e, um certo rubor calorento a invadia, até que disfarçou desviando o rosto pela janela. Mexia nos cabelos longos enquanto passava página por página sem atenção, buscando nova posição em ritmado cruzar e descruzar de coxas. Aproveitava para verificar no homem se era apenas sensação ou estava mesmo sendo objeto de tentação. Estava! Sentiu uma certa onda invadir seu ventre e arfou, inclinando a poltrona. Parecia que ele estava ao lado e alisou o estofado como, como se estivesse passando a mão por dentro dele. Poderiam ter inventado algum pretexto para qualquer conversa, como é comum em viagens mais demoradas. Mas ficaram em silêncio revelador de ansiedade e desejo, como quem descobre o doce prometido guardado na vitrine da loja encantada. E, nesses tremores de arreganho, cada solavanco na estrada era como corpos se encontrando e cada gota de suor incontrolado era espasmo de prazer, tal acorde em tom de apoteose. Deliraram em sintonia de observação  sem toques, cada um sentindo o pulsar de seus próprios encantos, magia transformada em sedução. Foram ais abafados por lábios mordidos e arrepios de calafrio percorrendo a assimetria das intimidades só imaginadas. Êxtase de vinho antes lambido do que bebido, gosto de mel, gozo. Notaram-se pela última vez ainda na rodoviária, em Campos.  Ela estava de vestido colado e encharcado, como convinha naquela viagem de uma tarde quente de primavera.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Luciana Portinho

    [email protected]

    BLOGS - MAIS LIDAS