Direito a sofrer Todo ser humano deveria ter o direito constitucional de curtir uma fossa. Lá entre os direitos fundamentais, entre a casa e a saúde, educação e lazer, deveria estar o direito a curtir uma fossa. Para quem está chegando agora, talvez seja difícil entender o que signifique essa expressão. E, antes que algum engraçadinho diga que isso é do meu tempo, esclareço que meu tempo é agora, mas, quando está lá na adolescência, a gente sofria mesmo. Aliás, é isso que significa “curtir uma fossa”. É sofrer por amor. Mas sofrer mesmo. Amarrar um bode, enfiar o pé na jaca, ir até o fundo do poço. Todo mundo deveria ter direito a alugar os amigos por telefone, chorar todas as suas mágoas, dizer que sem ele (ou ela) não há mais cor no mundo. Chorar baldes de lágrimas, tomar um porre espetacular. Ser superlativo na dor. Porque, somente chegando ao fundo, é possível dar um impulso e tentar chegar ao topo novamente. Nos tempos corridos de hoje, parece ser proibido sofrer. E não é só por amor não. Sofrer, de um modo geral, parece ser coisa de fracos, de pessoas comuns e, como vivemos em uma era de super-homens e mulheres-maravilhas, sofrer parece coisa de menor, dos mais fracos. Como se o coração estivesse, realmente, destinado somente a bombear sangue e não filtrar emoções. Agora tem um programa na tv fechada que o abandonado ou abandonada ganha uma “repaginada” para, então, ingressar em uma nova vida. Como se as dores de amor pudessem ser cortadas com tesouras ou pintadas com tinta de cabelo. Ou se as rugas provocadas pelo chorar pudessem ser alisadas com escova e secador. Em um mundo dominado pelo computador, pelos MP3,6, 10...49?, é muito difícil ser pessoal. Numa era em que o que conta é o número de bocas que você beija em uma noite, expressar ou cultivar sentimentos remete mesmo a coisas do passado. Vidas ultrapassadas. E, com isso, vamos ficando cada vez mais solitários, presos em nós mesmos, até que um dia, acabamos explodindo em dor, fúria ou, com sorte, na firme busca do amor.